domingo, 5 de março de 2017

JOÃO RUI E OS 25 ANOS DO SANTOS DA CASA
















O Santos da Casa, programa de música portuguesa da Rádio Universidade de Coimbra, que vai para o ar todos os dias entre as 19 e as 20h, em 107.9 ou www.ruc.fm, festeja em 2017 as suas bodas de prata. Tal como Amália Rodrigues também nós não sabemos qual o dia do nosso nascimento. Porque a RUC faz anos a 1 de março, a dupla que “aguenta” os Santos da Casa (Fausto da Silva e Nuno Ávila), convencionou ser esse o dia do nascimento do programa.

Para assinalar tão garbosa data os dois santos convidaram alguns amigos, que com o seu talento e veia artística têm nos últimos anos dado um contributo gigante à música portuguesa, para escreverem umas singelas linhas, relatando a sua relação com o programa da RUC. E como quase todos eles são mais santos que os santos, a acompanhar enviaram imagens santificadas. Durante os próximos tempos vamos andar babados.

Para o dia de hoje as palavras pela pena de João Rui da banda conimbricense, a Jigsaw constituída por ele e  Jorri, que a imprensa especializada não hesita em colocar junto de nomes como Tom Waits, Leonard Cohen, Nick Cave ou Tindersticks.

"Santos da Casa não fazem milagres. Ditado antigo que na maior parte dos casos é usado para os piores motivos. Mas não é o caso. Nunca o foi com este programa de rádio. Mas para que se possam compreender estas palavras, teremos de recuar a 1999, altura em que nos formámos como banda. Aliás, talvez até antes. E compreender o contexto onde se insere o nosso primeiro contacto com este programa, que por acaso faz parte da RUC.

Em 1999 não existiam nem redes sociais nem bandcamps, myspaces, soundclouds ou outros do género. Naquela altura, quando alguém tinha a discografia de um autor, significava que se era realmente um fã dele. E encontrar raridades como b-sides de singles ou edições mais complicadas, tinha que ser através de contactos com amigos ou com fanzines. Não era simples a disseminação da música. Recordo-me de uma Cassete com gravações raras, que de tanto a ouvir, se quebrou a fita, e que a única maneira de poder continuar a ouvir, teve de ser colando a fita e passando a música para outra cassete. E no decurso desse movimento, lá se perdeu um pouco mais de qualidade da gravação original. Hoje seria bem mais simples: uns quantos cliques e tinha as musicas todas no computador com a máxima fidelidade (a máxima pelo menos que o mp3 permite, que não é assim tanta).

Mas adiante. O que pretendo enquadrar com isto, é que a música que era criada por uma banda independente recém-formada, que era gravada em cassete, não encontrava facilmente lugar para sua disseminação. Já era complicado encontrar música de autores famosos a não ser através do passa-palavra ou através de encomendas em loja, que na maior parte do casos demoravam meses para chegar, ou então ao fim desses meses diziam-nos que afinal já não havia. Então o que fazer no caso da música criada e gravada por uma banda que ninguém conhecia para além dos concertos? Hoje com um clique estava na internet, nalguma rede social e alguém do outro lado da rua ou do planeta poderia ter acesso. Não digo que hoje seja mais fácil: digo apenas que nesse acto de partilha, a música, ou gravação, melhor dizendo, consegue sair da órbita pessoal; da gaveta, por assim dizer. E há nisso uma libertação da mesma do próprio autor. Mas em 1999 não havia nada disso. E é aqui que entra o Santos da Casa, uma plataforma onde isso era possível. E recordo-me bem de ter ido ao programa da Ruc entregar uma cassete com as primeiras gravações dos a Jigsaw, tal como me recordo bem do momento em que as ouvi pela primeira vez nessa mesma rádio, afastadas de nós e da nossa esfera pessoal; da nossa aparelhagem. Houve nisso uma libertação e também um reforço da crença na possibilidade. No potencial que havia para continuarmos o nosso trabalho. “A nossa música na rádio”: agora é algo trivial e ao qual já nos acostumámos, mas na altura tal afirmação merecia um certo afastamento dela para nos apercebermos do impacto que teve em nós. Com o passar do tempo, e nem tanto tempo assim, o Nuno Ávila tornou-se o nosso manager, editor, padrinho. E por fim nosso amigo, muito para além da música, mas porque também ela o permitiu. Uma pessoa que nos acompanhou nas viagens mal dormidas para concertos, para concursos, em todo o trajecto que uma banda em inicio de carreira tinha. E é sempre com orgulho que me recordo desse belo companheiro de viagem. Ao longo dos anos fomos estreitando laços, como é natural, com o programa Santos da Casa. Ainda há poucos meses ouvia no programa uma versão que tínhamos feito que já nem me recordava. Eles mantêm-se guardiões da nossa memória. Recordações dos concertos que demos nos corredores da Ruc. E mais uma vez, por acaso Ruc. Para nós sempre foram os corredores do Santos da Casa. Do Fausto e do Nuno Ávila.

No final de 2011 e ainda derivado da prenda que nos deu o Nuno Ávila de ter sido a primeira pessoa a veicular a nossa musica numa rádio, decidimos que estava na altura de lhe retribuir a bondade. Então falámos com ele e dissemos que queríamos fazer uma série de versões de músicas de bandas portuguesas para editar em cassete para celebrar o evento da nossa primeira cassete e que gostaríamos que ele nos desse uma lista de 15 músicas para o efeito. Dissemos-lhe que ninguém estaria em melhor posição para o fazer. Só não lhe dissemos que a cassete que estávamos a gravar era especificamente para ele. A nossa prenda para o Nuno. E de facto só lho dissemos quando estávamos a apresentar uma dessas versões no Santos da Casa. Em directo, embargou-se- nos a voz quando lhe explicámos que a cassete era a nossa prenda para ele. Mais. Era o nosso reconhecimento do seu carinho.

Talvez me tenha esquecido aqui de falar no que se disse e se perdeu nas ondas hertzianas das incontáveis vezes que já estivemos à conversa com o Nuno Ávila e com o Fausto no Santos da Casa. Mas não se perdeu o coração. Nem eles o saberiam perder. Caso contrário não estaríamos a celebrar estes 25 anos. E que daqui a outros 25, tenha eu mais memórias ainda para poder partilhar em data tão apropriada.

Abraço!"

João Rui (a Jigsaw)

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