sábado, 16 de junho de 2007

O OUTRO LADO DA MÚSICA PORTUGUESA

O blog do Santos da Casa iniciou uma rubrica denominada “O Outro Ladoda Música Portuguesa”. Pretendemos desta forma dar a conhecer e valorizaro trabalho, de quem na sombra, ajuda os artistas e bandas a alcançarem o estrelato.Por aqui vamos dar voz a promotores, managers, road-managers, rodies, produtores, editores, técnicos de som, donos de salas de concerto, organizadores de espectáculos, realizadores de programas de rádio, jornalistas, e a gente mais ou menos anónima que em sites e blogs fala daquilo que por estes lados se vai produzindo. As grandes entrevistas, com os maiores protagonistas, que são os artistas ficam guardadas para o 107.9 da Rádio Universidade de Coimbra.

Hoje a conversa acontece com Manuel Melo, que realiza um dos mais importantes programas de música portuguesa que este país conhece. O Sinfonias de Aço vai para o ar todos os sábados entre as 00:00h e as 03:00h na Rádio Barcelos em 91.9 FM. Para alem disso, desenvolve um site localizado em http://www.sinfonias.org/ com, entre outras coisas, a maior quantidade de vídeos de bandas nacionais.


Vale apena conhecereste home. Por isso aqui ficam as suas palavras.





Nome: Manuel Melo
Idade: 42
Profissão: Informático, operador de CAD-CAM, desenhador de artes gráficas (em simultâneo) e jornalista (ocasionalmente)
Contactos:
Av. D. Nuno Álvares Pereira, nº 215, Ap. 23
4750-324 Barcelos
http://www.sinfonias.org/
sinfonias@sinfonias.org


1 - Santos da Casa (SC) - À quanto tempo realizas programas de música portuguesa na rádio? Conta-nos um pouco do teu percurso.


Manuel Melo (MM) - Bem, de música portuguesa, só realizei este “Sinfonias de Aço”, que começou em Novembro de 1992. Comecei a fazer rádio em 1986, no tempo das piratas, quase por acaso. Havia cá um tipo que fazia um programa de metal, mas limitava-se a cruzar discos. Ainda por cima, só passava Iron Maiden, AC/DC, Whitesnake, etc. Como eu e um amigo tínhamos muita coisa decidimos emprestar-lhe alguns discos, mas o homem deixou a rádio e ficámos nós com o espaço. Meses depois eu já era um dos donos da rádio. Curiosamente, foi aqui que passei o primeiro som nacional, como JaroJupe, Tarântula ou Sepulcro (em demo). Estavamos nos dias da rádio e pouco tempo depois fiz um programa mais abrangente com o nome de “Multirock”, onde passava literalmente de tudo que fosse rock, desde o chamado som de vanguarda (sempre detestei este nome) até ao rock mais convencional e coisas mais fora de moda como o rock sinfónico. Fiz igualmente um programa de nome “Laranja Mecânica”, nome que só adoptei pelo impacto. Lamentavelmente, pouca gente o associou à obra de Anthony Burgess passada ao cinema por Stanley Kubrik; antes preferiram associá-lo à selecção holandesa de futebol e outros houve que acharam que eu era um militante do PSD. Enfim...
De resto, e para não “moer” as pessoas, o melhor é conferir no meu site o meu percurso radiofónico. Está tudo em http://www.sinfonias.org/. A paixão pela rádio vem da década de '70 e das noites que passava em volta das ondas curtas onde aprendi imensas coisas sobre rádio. Acresce dizer que nem só programas de autor me fazem bulir e também costumo, desde sempre, realizar alguns programas na área desportiva, sobretudo em estúdio, mas de vez em quando também no exterior. Confesso que estar aos berros a relatar um jogo é algo que não me apaixona e, apesar de o saber fazer, acho demasiado felliniano e não o quero fazer.


2 - SC - Em breves palavras apresenta o teu programa.


MM- O “Sinfonias de Aço” é um programa de Música Moderna Portuguesa Independente. Simples, não? Por muito respeito que possa ter pelas edições das majors (onde existem coisas boas, claro), o espírito do programa é independente. Passo tudo que seja produção nacional independente, em edição de autor ou mesmo sem edição, como as maquetas, alguns concertos, etc. O programa não é muito estanque. Aliás, está aberto a todos os estilos, sendo perfeitamente possível rodar black metal e hip hop, num espaço de poucos minutos. É essencialmente um programa informativo e não um programa dirigido a um grupo específico. O programa tem igualmente entrevistas de tempos a tempos e só não tem mais porque... não tenho tempo. Aliás, toda a minha vida acaba por ser condicionada pelo site e programa, algo impensável e incompreendido pelo pessoal da minha idade, que tem a tendência de achar que eu sou tolinho por manter esta actividade com a idade que tenho, investindo dinheiro e não realizando nenhum. Mas, em termos de temática e target, o “Sinfonias de Aço” não difere muito do “Santos da Casa”. A diferença é que a RUC é única no país.


3 - SC - Como preparas tu o Sinfonias de Aço, antes de o programa ir para o ar?

MM - Tento fazer sequências lógicas com alinhamentos definidos. Nunca fui do género de levar um molho de discos para o estúdio. Levo sempre um guião, os temas tocam de acordo com uma determinada ordem previamente estabelecida, tendo em atenção algumas notícias que podem surgir. Pesquisar essas notícias e estabelecar uma ordem no alinhamento é que pode dar algum trabalho. A maioria das notícias às quais dou prioridade, chegam por e-mail. Outras há que procuro pela net e muitas vezes o vosso blog é uma fonte importante de informação, assim como a Trompa do amigo comum Rui Dinis. Confesso que passo cá imensas vezes para procurar informação que por vezes não vem ter directamente comigo. No entanto, é muito raro não ilustrar informação com a rodagem de um tema de um autor que tenha a ver com a notícia, daí que a prioridade seja sempre para material que eu possua. Dou igualmente prioridade a notícias e a destaques, quando essa informação me é comunicada directamente. As entrevistas, quando existem, são produzidas previamente, em casa. Gosto de produzir as entrevistas com intros, com músicas pelo meio e timmings de forma a torná-las mais atraentes e dinâmicas para serem publicadas também no site. Comigo, viaja sempre uma pen com suportes digitais em audio (jingles, separadores, uma ou outra faixa em mp3, etc.), um saco de CD's, o minidisc para gravação do programa, cabos para a gravação (uso os meus cabos que ligo na RAC à saída do processador, pois a gravação fiscal da rádio é uma porcaria), o guião em papel (que fica também no computador), um ou outro press-release e uma cerveja, porque em 3 horas pode dar a sede.


4 – SC - Para além do teu programa criaste uma página na net e um espaço no myspace. São totalmente independentes ou um dia que o programa acabe eles morrem? Já agora, aguça o apetite de quem nos lê, e diz o que se pode encontrar no teu site.


MM - São independentes, mas não são tão vulneráveis como o programa. Na verdade, o programa precisa de uma rádio para emitir e isso só vai acontecer enquanto houver rádios interessadas em o ter na grelha. Penso que, neste momento, para a direcção da Rádio Barcelos, é indiferente o programa existir ou não. Mas creio que já foi incómodo no passado, não só nesta rádio como na rádio anterior. A filosofia aqui em Barcelos ainda é muito popular – para não dizer parola – e um programa como o “Sinfonias de Aço” é algo que fez confusão a muita gente. Aliás, a maior confusão acho que nem foi o facto de o programa ter este modelo; a confusão foi mesmo ele ser UM programa. A ideia que o pessoal tem de programa é cruzar um molho de discos num determinado espaço horário e dar um nome a esse espaço. Isso é que é um programa. Ou seja, um programa de música brasileira é passar uma ou duas horas a meter música brasileira e mais nada. Se aparece um cromo a fazer um programa de música portuguesa a dar notícias, agenda de concertos, entrevistas, etc., isso já é muita confusão para tantas “estrelas cintilantes” da rádio, habituadas que estão a não fazer nem 10% do trabalho e a serem pagas por isso. O “Sinfonias de Aço” nunca foi pago e representou sempre um encargo para o seu autor, outra coisa que fez imensa confusão aos “profissionais”. Enquanto que eles são chulos da rádio e só a fazem para ganhar dinheiro, eu faço rádio porque gosto de rádio. E sou o último dos moicanos em Barcelos. Não há mais ninguém a fazer rádio gratuitamente.
Quanto ao site, pretende ser algo mais que o programa não pode ser. Para já, porque são modelos completamente diferentes: o programa, na rádio, vai para o ar num horário específico e o site é permanente. Além disso, é como a história da cassete e do CD. Numa cassete tens uma leitura sequencial e no CD pode ser aleatória. O que quero dizer com isto? Que no site, tal como num jornal ou num blog, quem procura pode filtrar
informação. Assim sendo, o site poderia ser apenas uma extensão do programa, mas é muito mais do que isso. Lá pode ser encontrada muita informação relativa ao programa, como a Playlist e as próprias gravações dos programas no último ano. Só aqui já estão mais de 3GB de audio para quem quiser recordar ou ouvir alguma coisa. É um local útil sobretudo para os músicos, que aqui conferem quando passaram e podem ouvir as emissões onde passaram. Este espaço tem ainda a vantagem de poder ser tocado sequencialmente ou aleatóriamente, dado que as gravações estão separadas em blocos de ½ hora. Além disso, são ouvidas em tempo real, sem ser necesasário efectuar previamente o download. Quanto a outros sectores do site, existe por lá muita coisa dos últimos anos do Rockastru's (uma das secções mais procuradas), a maior base de dados de videoclips de música portuguesa na net, com mais de 260 videoclips, devidamente identificados, sendo todos eles oficiais, sem máscaras, sem tag's publicitários ou de televisão e de elevada qualidade (sem as altas taxas de compressão do YouTube, por exemplo, que danificam o brilho e o recorte da imagem). Mais? A secção de Edições, injustamente desactualizada actualmente, mas onde se podem ouvir temas integrais com qualidade CD em tempo real, uma das secções mais procuradas – a Memória – onde recordo algumas maquetas com bastantes anos de bandas já extintas (e onde também é possível ouvir integralmente a maqueta com o som que está na cassete) e uma nova que já está on-line, mas que oficialmente ainda não está lançada. Neste caso, falo do Ponto de Escuta que é a coisa mais simples de explicar: o objectivo é pôr lá literalmente TODA a música livre deste país. Dou a mim mesmo um prazo até ao fim deste ano para o concretizar, mas acho possível. No Ponto de Escuta tudo poderá ser escutado com qualidade CD. Sei que são várias centenas de trabalhos, mas estou determinado. Quanto a espaço no meu servidor, tenho que chegue e que sobre, por isso apenas preciso de tempo para levar a cabo esta tarefa. Por fim, todas as entrevistas que vou emitindo, vou disponibilizando no site, numa secção própria, onde é possível ouvir a entrevista integral com alta qualidade de som. Para transformar o site de grande em gigantesco, só me falta é tempo. Faz-se o que se pode.
Quanto ao MySpace, o objectivo é mesmo utilizar mais um veículo de divulgação. Curiosamente, têm chegado alguns contactos através do MySpace, apesar de eu achar aquilo um formato efémero. Não acho o MySpace viável a médio prazo, quer em termos económicos e tecnológicos, quer em termos práticos. Trata-se de uma estrutura que tende a crescer em cascata, tornar-se gigante e a definhar. É como subir ao alto. A umas dezenas de metros tem um piadão do caraças ver as coisas que conhecemos de uma outra perspectiva, a umas centenas vemos coisas que nunca vimos antes e a uns milhares já não vemos coisa nenhuma nem distinguimos nada. O MySpace está a transformar-se numa estrutura demasiado pesada e confusa e começa a ter problemas, nomeadamente com o spam e a agressividade publicitária e pornográfica. O pior mesmo é que tornou algumas bandas preguiçosas. Dantes, o pessoal queria a toda a força criar um site e personalizá-lo; depois apareceu a facilidade de se ter um blog, com a interactividade que eles possuem, fruto também do desenvolvimento das linguagens dinâmicas e do software do lado do servidor; agora, um espaço no MySpace cria-se em 5 minutos e as bandas dizem logo que já “têm um site”. Com isso, muitas bandas dão por concluídas as acções de promoção. Põem umas músicas, mandam uma mensagem genérica a toda a gente a dizer que têm lá músicas e está feito. A verdade é que eu também estou no MySpace, também tenho um site que já é relativamente conhecido, mas todos os dias apanho bandas a dizerem que desconhecem o programa. Ora, se elas não apanharam o “Sinfonias de Aço” na rede, porque razão os outros internautas os hão-de encontrar a elas? O pessoal com o MySpace acha que não precisa de bulir mais e nem quer saber de rádios para nada. Não sabem, mas estão enganados. Ou então estou eu.


5 - SC - Tens noção de ao longo de todo este tempo de actividade teres ajudado bandas a sair do anonimato? É esse imenso prazer de ver uma banda a crescer que ainda te faz mover? Existem outras alegrias que te fazem continuar a mostrar música portuguesa ao mundo?


MM - Já contribui – de forma modesta, obviamente - para muitas bandas sairem do anonimato e tenho consciência disso. Eu estive directamente ligado ao famoso boom da cena barcelense na década de '90 e muita coisa rodou à volta do “Sinfonias de Aço”. Aliás, nessa altura o programa era emitido na tarde de Sábado e os estúdios da rádio enchiam-se de músicos, pois era ali o ponto de encontro dos ensaios e a troca de impressões entre as bandas. Foi uma época extraordinária, mas tudo tem o seu tempo. Saber que ajudei alguém a dar-se a conhecer, evidentemente que é gratificante. Aliás, eu sou um tipo de causas e por isso estive na Greenpeace e na Amnistia Internacional. Quando acredito em causas, luto por elas. Daí também o espírito do programa ser independente, pois o pessoal das majors já tem as televisões e as rádios nacionais. No fundo, o programa pretende dar voz àqueles que têm maior dificuldade em se mostrar. É com contributo modesto, mas é o que posso fazer. E, claro, sempre que chega algum feedback isso representa imenso para mim. Saber que há pessoas que ouvem a banda A ou B porque a ficaram a conhecer no “Sinfonias de Aço” é, para mim, gratificante e significa que o esforço já vale a pena. Há também muita gente que ouve enquanto trabalha de noite, que eu acho fantástico. Tenho pena é que muitas bandas não olhem para a rádio com outros olhos e não se interessem muito em programas de autor como o meu. De certa forma, compreendo o alheamento da malta mais nova no que à rádio diz respeito, dado que a rádio hoje em dia é pouco mais do que uma presença espiritual. Os programas de autor, por exemplo, que foram os responsáveis pelo aparecimento do boom da rádio nos anos '80, tendo depois contribuído para se fazer uma lei da rádio que legalizou as rádios locais, foram agora praticamente banidos dessas mesmas rádios. É um fenómeno triste dos dias que correm, em que as direcções se estão nas tintas para a paixão da rádio e agora acham que ter um computador a emitir de manhã à noite é suficiente. Estão enganados, o auditório crítico fugiu, a malta mais nova já não ouve, mas as direcções vão demorar a aperceber-se disso. Ora, se o pessoal mais novo – geralmente quem tem bandas - não ouve rádio, é natural que tenham tendência a estereotipar tudo e a achar que mais ninguém ouve. E, por muito que eu solicite material promocional às bandas, só uma percentagem envia (mas já lá vamos). São exactamente esses que enviam quem eu passo no programa. Portanto, quando alguém me pede para passar esta ou aquela banda que não passo, tenho sempre de explicar que não passo porque não tenho. E, verdade seja dita, também compro um disquito de vez em quando, mas dou sempre prioridade máxima ao trabalho que me enviam, até porque seria indecente deixar de lado material que me é oferecido, para o substituir por coisas que compro, ainda por cima tendo consciência das dificuldades de muitas bandas e pequenas editoras. De resto, o dinheiro faz-me falta para outras coisas, como pagar o meu site que tem um alojamento profissional e já não falo em despensas pessoais, como a casa e a família, porque aí sou igual a toda a gente: toca a fazer contas.




6 - SC - Promovendo tu essencialmente artistas nacionais, como analisas o momento por que passa a música portuguesa?


MM - O que mais me fascina actualmente é mesmo a imensidão de netlabels que vão surgindo e a música livre que daí resulta. Acho fantástico que muitos músicos decidam partilhar livremente as suas criações artísticas. Claro que isto tem um pau de dois bicos e este fenómeno também é real porque a maioria dos músicos não teria hipóteses de fazer impôr a sua música comercialmente num mercado tão restrito. E para quem entra no mercado as coisas não estão fáceis. Desde logo, porque atravessamos uma época de crise e de falta de confiança, depois porque, como já referi, o mercado é, mesmo em condições “normais”, restrito; por fim, porque a oferta é vasta. Há muita gente a editar e muitos discos a surgir. Enfim, não é possível ter o melhor dos dois mundos.
Em matéria de criatividade, penso que há coisas muito interessantes a nível nacional. A verdade também é que a música moderna não é tão versátil como as pessoas julgariam ou gostariam que fosse, de forma a que fosse, se calhar, menos previsível. E repara que a chamada música clássica também não tem muito terreno por onde progredir. Na verdade, o metal, o rock ou até o hip hop, em termos meramente musicais, estão já bem explorados, restando a componente estética para ainda desbravar. Aqui é que temos vindo a evoluir. Reparem que eu não sei nada de música, mas acho que o rock que se faz agora ou que se fazia há 30 anos não difere muito em matéria de composição. A abordagem estética é que é diferente e é isso que me fascina. Acho que aqui as bandas compreenderam que o seu cunho pessoal não está em inventar nada de novo – isso fica reservado para os génios – mas em fazer as coisas com o seu cunho pessoal. E a verdade é que eu via pouca gente a fazer isso há alguns anos atrás. Havia muita gente a fazer colagens demasiado descaradas, não só no som, mas até na própria apresentação em palco. E em quem é que nós continuamos a ouvir falar volvidos 20 ou mais anos? Nas bandas autênticas, como Pop Dell'Arte ou Mão Morta, entre outras (pronto, eu não queria falar em nomes nesta fase, mas teve de ser). Acho que agora as bandas compreenderam que não devem continuar a ser máquinas de karaoke e há imensa gente neste país com essa consciência.
Por fim, temos uma oferta fantástica e variada, com imensas edições a sucederem-se. Pena é os media não apostarem mais na divulgação e os próprios autores também se acanharem um bocado. Resumindo, estou contente com as coisas que surgem, mas já não me agrada muito a forma como essas coisas são mostradas às pessoas; ou, se quiserem, ignoradas por quem devia mostrar isso às pessoas, interessados incluídos. Digo isto também porque eu mesmo recebia mais material para o programa há uns anos atrás do que aquele que recebo hoje. O pessoal continua a achar que o MySpace resolveu tudo e estão tremendamente enganados. Eu, por exemplo, não vou buscar temas à internet para passar no programa e sei que a maioria dos radialistas também não o faz. Um realizador de um programa deste género gosta de receber uma cópia do disco (e por mim pode ser CD-R, porque sei que as coisas custam dinheiro) acompanhada de dados sobre o mesmo em nota biográfica ou press-release. Ao contrário do que muita gente pensa, o objectivo não é cravar CD's. Longe disso. O objectivo é saber até que ponto as bandas estão empenhadas em fazer avançar a sua carreira e apostar no seu trabalho. Muito sinceramente, eu prefiro o tipo de banda chata, que passa a vida a mandar e-mails a perguntar se vou passar o trabalho deles (aviso: eu passo TODA a gente que me enviar trabalhos), se gostei, se conheço locais para tocar, se sei de outros programas, etc. São bandas que mostram vontade. Isso, para mim, é o mais importante. Mas, infelizmente, também há muita gente que só quer é chegar à Amtena 3 e não quer saber de um minúsculo “Sinfonias de Aço” para nada, nem sequer respondendo aos meus e-mails. Que tenham a maior sorte do mundo, são os meus votos e fico feliz por eles. Com toda a sinceridade.


7 - SC - 5 discos essenciais de música portuguesa e 5 bandas de eleição.


MM - Bolas, este é o tipo de questões que me deixam sempre constrangido. Pronto são cinco discos, mas não OS cinco discos, ok? E são cinco discos que podem não ser os melhores dos nomes em questão, nem sequer dos melhores em determinada época. Escolho estes cinco, por aquilo que representam à época e pelas portas que abriram. A meu ver são marcantes.
Bizarra Locomotiva - “Bizarra Locomotiva”
Mão Morta - “Mão Morta” (e já agora os outros também)
Moonspell - “Wolfheart”
Tédio Boys - “Porkabilly Psychosis”
Primitive Reason - “Alternative Prison”
Nota: fiquei-me apenas pelo universo do “Sinfonias de Aço” (independente, ok?)
Cinco bandas? Mão Morta, Moonspell, Pop Dell'Arte, Xutos & Pontapés e The Astonishing Urbana Fall (agora La La La Ressonance). Aqui também cinco bandas e não AS cinco bandas. Se calhar, daqui a uns dias respondo-te outros nomes. Por exemplo, The Gift, Peste & Sida, Ramp, ...nunca mais daqui saímos. Não referi nomes de Coimbra para não ser indelicado com os que omitiria, porque o pessoal aí sabe o que anda a fazer. E bem.


8 - SC- Quais as bandas das quais ainda vamos ouvir falar no futuro?


MM - Isso é que não sei mesmo. Acreditem. E também não tenho jeito nenhum para vidente, eheheh. Depende de muita coisa, de como vai reagir o mercado, das correntes que virão lá de fora, etc. Recentemente vi duas bandas no Rockastru's que me deixaram agradavelmente surpreendido, pelo empenho, pela simpatia, pela competência e pela vontade em levar as coisas a sério: The Mad Dogs e The Wage. Mas, de uma maneira geral, tivemos um Rockastru's de muito alto nível e... lá está: ninguém trouxe propriamente nada de novo. A abordagem é que foi pessoal. É como a informática: o princípio de funcionamento dos computadores actualmente é praticamente o mesmo dos primeiros dias; a tecnologia e a maneira como são feitos é que é diferente, assim como o software que com eles trabalha. Nós também temos uma esperança de vida muito superior à dos nossos antepassados há 1000 anos, mas genéticamente não diferimos em nada. Atenção porque os dois nomes que referi atrás não são nomes que eu aponte. São sim exemplos de bandas empenhadas e isso temos, felizmente, com alguma fartura. Lembrei-me desses dois por serem memórias recentes.


9 - SC - Porque é a rádio o único bode expiatório, quando se aborda o tão polémico tema das quotas de música portuguesa? Haverá mais culpados?


MM - Talvez. O grande problema aqui é saber o que se quer proteger afinal. A língua portuguesa? “Com o Bacalhau Quer Alho”? Os autores portugueses? Como o Nel Monteiro ou o Zé Cabra? Se é isso, as televisões bem podem limpar as mãos à parede, pois sempre que esbarro nos canais generalistas levo sempre com as mesmas criaturas. Muito sinceramente, se a lei quer funcionar assim, acho um disparate completo. Eu prefiro ouvir uma rádio a passar a Björk ou o Leonard Cohen do que o Mikael Carreira ou a Mónica Sintra. E eu sei bem que as rádios locais, salvo raríssimas excepções, cumprem as quotas. Mas alguém as ouve passar Rodrigo Leão, António Pinho Vargas ou Wordsong? Penso que não. Pessoalmente, sou contra as quotas porque elas representam uma imposição. Gostaria é que as direcções e os radialistas apostassem na boa música portuguesa e deixassem de nivelar as coisas por baixo. E sobretudo deixassem essa velha máxima, estúpida e analfabeta de “dar ao povo aquilo que o povo quer”.
Parece que da percentagem de música portuguesa, 60% tem de ser cantada em português. Para quê? Para os pimbas fazerem versos a rimar os verbos no infinito? Para cantarem com erros gramaticais? É assim que se defende a língua portuguesa? E os rodapés das televisões? E os erros de palmatória nas legendas dos filmes? E os pontapés na gramátrica dos nossos políticos? Isso não conta? Eu acho que também devia haver quotas de português bem falado e bem escrito por quem comunica na nossa língua.


10 - SC - Fazer rádio é ficar à espera de receber o material em casa, ir à net sacar para passar, ou é fazer verdadeira investigação?


MM - É tudo isso, dependendo de quem faz o programa e da forma como encara a rádio. Eu não vou à net sacar nada para passar, até porque todo o som que passo é do conhecimento dos autores, editoras, promotores, etc, e na esmagadora maioria dos casos, é material que me foi enviado por eles. Ficar de braços cruzados à espera também não me parece uma boa solução, sobretudo para um programa pequeno como o meu que, em rádio, só se ouve aqui na região. Reconheço que a maioria do material que recebo é de inciciativa de quem mo remete, porque ouviram o programa, alguém lhes falou, viram o site e acharam piada, etc. Muito também é solicitado por mim. Não cravado, como alguns dizem, nem mendigado, mas dou simplesmente conhecimento de que existo e estou disponível a passar, caso estejam interessados. Muita gente acha a ideia simpática e envia alguma coisa, outros mostram a melhor das boas vontades, mas nunca enviam nada e outros há que simplesmente ignoram (e ainda são bastantes). Mas o que eu mais gosto de fazer é essa investigação de que falas. Se gosto de ver as bandas com dinâmica e vontade em se mostrar, eu também gosto de os descobrir e dar-me a conhecer. Mas... se calhar já chega. Se alguém leu isto tudo, pois os meus mais sinceros agradecimentos e peço perdão pelo tempo precioso que vos tirei.


Obrigado amigos Nuno e Fausto e até um dia desses. Normalmente o pessoal encontra-se junto a um palco. Que assim seja.




Nuno Ávila

Sem comentários: