sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

EDITORIAL: A CRISE DA MÚSICA PORTUGUESA

Para não fugir à regra sou mais um a escrever sobre música portuguesa (aliás há muitos anos que não faço outra coisa). Nos últimos tempos este hábito virou moda. Há por aí muitos teóricos à procura de uma explicação para aquilo a que chamam “a crise da música portuguesa”. Andam loucos, tentando encontrar uma resposta que faça alguma lógica. O difícil será descobrir uma saída para um problema que eles próprios ajudaram a criar. Por isso para eles será quase impossível passar da teoria à prática.
Depois de se olharem ao espelho, acharam por bem atirar as responsabilidades para trás das costas. A rádio passou a ser o bode expiatório. No entanto, vão escrevendo que a Antena 3 é um caso à parte e que as rádios locais têm uma atitude de louvar, ao passarem muita música portuguesa. Quem os entende?! Muitos dos que agora levantam a voz são A&Rs de grandes editoras e esquecem-se que os artistas estrangeiros que a rádio passa pertencem aos catálogos das editoras que representam. Não seria mais lógico pôr mãos à obra e promover da mesma forma os artistas nacionais? Por que é que se oferecem viagens para ir ver os U2 em Londres e não se dão bilhetes para ver os MadreDeus a tocar em Paris? De forma a contentar os ouvintes e a ganhar mais uns trocados (dizem eles que isto não é publicidade) a rádio x lança um passatempo, faz um spot e passa vezes sem conta a mesma música dos U2. E lá fica mais uma vez a tão falada quota da música portuguesa por cumprir.
Alguns, sentem que a crescente vaga de pirataria os está a ameaçar. Protegem os CDs contra a cópia, mas não lhe baixam o preço. Deviam é tentar perceber porque é que o disco não é considerado cultura e tem um IVA tão elevado. Se calhar andam tão atarefados com algum novo talento inglês que não deram conta que se os discos fossem mais baratos vendiam mais e se calhar já não era necessário ter uma cópia em casa para o poder o ouvir. Vender mais é ganhar mais e fazer sair o disco das lojas. Estão por lá muitos a ganhar pó, que para darem lugar a outros são vendidos ao preço da chuva quando já todos o têm em CD-R. Se o artista pensasse da mesma maneira e visse o produto que cria como cultura, de certeza que se sentiria mais feliz pois passaria a meter mais dinheiro ao bolso com o aumento das vendas. Se bem que, como é sabido não é aí que ele ganha o pão para a boca. É na estrada, em cima do palco, comendo o pó que o diabo amassou... Mas para tocar é bom que o artista se lembre que não pode, de um momento para o outro, começar a pedir milhares de euros. Tocar é promover e por seu lado promover é vender.
Desde finais do ano passado que um estranho fenómeno se apoderou do mercado nacional. Anda por aí um jornal, que se calhar sem culpa própria, quer tirar o lugar às editoras e distribuidoras, vendendo discos a um preço sem concorrência. Se nem lá fora, ou seja no estrangeiro, alguma publicação descobriu este negócio, então é porque o Blitz afinal não achou o pote de ouro no fim do arco-íris. O que isto prova, é que para muitas bandas e editoras, esta é uma forma simples de promover e vender alguns discos sem correr grandes riscos. Para o jornal é uma forma certa de vender mais papel. É quase como a história de vender DVDs com os jornais. Só que por estranho que pareça os discos que o Blitz tem posto no mercado são de grande qualidade. E quando se fala que até os Mão Morta vão ter de embarcar na onda, então é porque o nosso mercado está mesmo muito mal e só mete cá para fora os restos de colecção.
O que nos vai servindo de consolo, são pequenas editoras como a Borland, que conseguem provar, com alguma imaginação, que a crise se existe é para os outros. Não devemos deixar de aplaudir as muitas bandas que se aventuram em edições de autor mostrando que a arte não tem preço.
Uma coisa é certa e sabida e só a repito mais uma vez: existe produção nacional suficiente para passar na rádio. Basta que quem promove entenda que a Rádio Universidade de Coimbra não é igual à Rádio Clube de Matosinhos, nem que a Antena 1 e 3 apesar de estatais se regem pela mesma partitura. Pois, que se não houver uma boa promoção o artista não vende.
Por isso se remarmos todos para o mesmo lado, virmos os nossos defeitos, e não passarmos a vida a atirar as culpas para o vizinho do lado, a música portuguesa chegará a bom porto.



Nuno Ávila

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