Se acham que já não há lugar para outra história de uma pequena empresa familiar que atingiu sucesso, apertem-se um bocadinho porque esta tem que caber.
Parte I – A pergunta que nunca lhes fizeram
Estamos no Verão de 2005 e os adolescentes irmãos Pires, Jónatas e David, decidem ignorar os bons ares iodados da Caparica para se refugiarem na mofenta cave da Igreja Baptista de Queluz. Há estudiosos que se dividem quanto à origem do róque-enrole - se veio da música negra ou se veio do country - e decerto todos eles ficariam boquiabertos ao ver que o róque também pode vir do bafio.
Avançando até 2008 é possível escutar repetidamente o produtor dos discos dos Pontos Negros a afirmar que número de elementos ideal para uma banda é "2". Ainda em 2008, e após o concerto no Festival Sudoeste, Silas Ferreira, teclista dos Pontos Negros, responde ironicamente a um jornalista: "É a primeira vez que nos fazem essa pergunta." E a pergunta era tão simplesmente o porquê do nome "Pontos Negros". Para respondê-la é preciso voltar a 2005, quando a banda tinha exactamente o número ideal de elementos. Ora, se temos os (verdadeiros) irmãos Pires, Jónatas e David, com uma guitarra e uma bateria na bafienta cave da Igreja Baptista de Queluz, temos também os (falsos) irmãos White, Meg e Jack, com uma guitarra e uma bateria em todo o lado - mérito do disco de White Stripes saído nesse Verão. Das Listras Brancas de Detroit aos Pontos Negros de Queluz foi um saltinho, ou uma meia-pirueta com roupa às avessas.
Parte II - Como perder o número ideal de elementos de uma banda e manter uma banda ideal
Para ser honesto com a História convém abrandar a adjectivação negativa da cave da Igreja Baptista de Queluz. Por economia passaremos a tratá-la apenas por "a cave"; por justiça passaremos a tratá-la por "a Cave" de maiúsculas necessárias. Não lhe chamamos "The Cavern" para não confundir com aquela liverpooliana onde praticamente nasceu outra banda, a melhor de praticamente sempre. Mas voltemos à Cave, espécie de Meca para a pequena editora FlorCaveira que por lá fez mover e ensaiar a grande maioria dos seus projectos. Os Pontos Negros estavam condenados a ser mais um, condenados a não ser só mais um. Tiago Guillul, grande guru florcaveirense (e o confesso apreciador das bandas de 2 elementos) chega-se à frente para registar o entusiasmante e indomável róque-enrole dos irmãos Pires. E enquanto a primeira recolha de canções pontonegrinas se vai fazendo, o power-duo de Queluz convida outro jovem amigo a juntar-se à festa. Já que uma banda de três elementos é a coisa mais banal do mundo, nada como contrabalançar com a surpresa de o novo membro ser outro baterista. E se isso não for suficientemente estranho, põe-se o novo baterista a tocar guitarra e a partilhar a voz principal. Das baquetas para as palhetas, o queluzense Filipe Sousa aparece seguro e talentoso, tão seguro e tão talentoso que nem precisamos de compensar com observações sobre o seu bom aspecto físico
Sai pela FlorCaveira o primeiro disco homónimo dos Pontos Negros em CD-R e o ponto de não-retorno estava aqui e não era negro.
Talvez com esforço se consiga perceber o seguinte conceito em sequência: "tocador de oboé faz desenhos para a banda e passa a tocar baixo num teclado de órgão". Ou, trocando por miúdos, Silas Ferreira. Estava consumado o quarteto. Os fab-four da linha de Sintra.
III – Magnífico Material (.) Inútil (negar)
Tentar relatar a história dos Pontos Negros a partir daqui pode ser uma obsoleta justificação para o patamar a que chegaram. Afinal tudo se resume ao invulgar talento para escrever boas canções e saber muito bem como apresentá-las. Quando damos por eles estão a invadir as rádios, estão a dominar a internet, estão a passar na MTV, estão a tocar num festival de Verão, estão a lançar um disco por uma multinacional, estão, querem ver, a espalhar democracia no Médio-Oriente
Em 2008 os Pontos gravam e lançam o magnífico "Magnífico Material Inútil", LP com o selo da Universal Music Portugal. Em 2009 os Pontos reúnem paixões, todo o país sabe trautear as suas cantigas. Em 2010 faz dois anos desde que alguém usou pela última vez a palavra "crise".
Samuel Úria, Outubro de 2008
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