Deus escreve Torto por linhas turvas
Manuel A. Fernandes - Jornalista
"Rock instrumental. Onde começa e como acaba? O que faz de algo tão patronímico na concepção musical, a súmula e assunção de um género. Desde a explosão do rock nos anos sessenta com a fusão de todas as linguagens de Link Wray, T-Bone Walker, Dick Dale, até à descoberta da condição popular sem a tirania da voz pelo denodo e audácia dos Tortoise, Don Caballero e Mogwai. Aleluia, os instrumentos também podem cantar – pensaram eles. Convicção abraçada e extremada pelo trompete de Miles Davis que recomeçando do zero o jazz pós-segunda guerra mundial, levou personagens como Herbie Hancock, Wayne Shorter ou Coltrane a soltar os espartilhos de New Orleans. Afinal, ist o é um enorme cosmos por explorar – pensaram eles. Os contornos demarcaram-se, as balizas estenderam-se e todos puderam ser aquilo que quiseram. Todos reclamaram o seu idioma musical, a sua manifestação artística. Frank Zappa apareceu de rompante, Don Vliet magnificou a sua loucura, Ry Cooder encontrou-se no labirinto de estilos. Respirava-se muito bem, a liberdade passou a ser partilhada. O que revela este preâmbulo do imaginário destes Torto? Tudo ou nada, dependendo da perspectiva.
Os Torto são a decomposição dos pressupostos rock e a reconciliação das indómitas jazz, pela visão de três individualidades casadas pelos instrumentos. Uma intimidade bruta, superior à solenidade formal da banda, ordenada por linhas de guitarra e conduzida por uma percussão destemida. Não é apenas “mais” uma entidade instrumental. É a indefinição desse livre-arbítrio. A certeza de que só podemos chegar a este resultado, ou perto dele, com a abstracção dos elementos concretos. Confusos? Muito prazer, apresento-vos uma banda do Porto, em 2013. Useiros e vezeiros do experimentalismo com um flirt pela aleatoriedade, Jorge Coelho, Miguel Ramos e Jorge Queijo, revestem de complexidade fu ncional a alegoria da “sala de ensaios”. A verdade universal de um trio comprometidamente faminto. A confrontação com algo que não escolhemos ouvir mas que nos obriga a uma disciplina solitária, por vezes desconfortável, comprovando o engenho de três homens. O segredo que percorre cada acorde de guitarra, os caminhos pelo abismo do baixo, as baquetas que metodicamente encontram o seu estertor.
Quanta a esta composição musical serigrafada? Treze minutos de afinações ambientais, de paisagens emocionais galopantes, de instrumentos que agoniam e socorrem. Um convite para tomar café com a banda, de pertencê-la como o sexto elemento na companhia da Srosh Ensemble, do percussionista Gustavo Costa e do contrabaixista Henrique Fernandes. Momentos honestos de tons ambíguos como uma montanha-russa, da grandiloquência de Sergio Leone ao jugulo de Cassavetes, gravados nos estúdios Sá da Bandeira. Música cinematográfica? Talvez. Como poderia ser cinema musicado ao cerrar as pálpebras. A linha é ténue e entorpece com a dança das cordas na cadência de Jorge Queijo. Recordo-me, religiosamente, do primeiro contacto com uma parte desta sociedade musical. A anteceder os Earth na cidade-natal, tão invicta como a presença de Jorge Coelho. Uma guitarra, uma história, várias leituras. Era um apontamento fascinante para um parto deste calibre. Nos Torto só muda a pluralidade desta ideia. Uma guitarra, um baixo, uma bateria, três operários sonoros entrelaçados e um jogo de sombras. Dizem eles que a matéria que os reúne é o “sotaque anterior à palavra”. Precisamente. Para quem diz que esta banda não “canta”, é presumível que desconheça também o grito que ela possui. Tão atordoante quanto discreto."
A música estará disponível para download para quem adquirir uma serigrafia (50x70cm) da autoria do João Guedes e estará disponível nos concertos dos TORTO ou então poderá ser encomendada através do seguinte e-mail:orders@loversandlollypops.net
8 de Junho - Serralves em Festa, Porto
15 de Junho - Lounge, Lisboa
22 de Junho - Vale de Pandora, Vale de Cambra
06 de Julho - A anunciar
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