O Jogo do Mundo, nas lojas a 23 de Setembro
"O percurso quase nunca é aquele com que sonhamos...ou que desejamos. O optimismo encorajador do existencialismo contido na máxima “ o caminho faz-se ao andar” não nos alerta para os obstáculos, esconde os buracos do caminho, as armadilhas não sinalizadas.É uma frase optimista e isso enerva. Porque é mentira.
Ao olharmos hoje para esta fotografia amarelada da nossa turma de liceu – e já lá vão mais de 20 anos desde aquele dia de Junho, o último dia de aulas – sentimos a melancolia húmida de um sonho nunca realizado. Passamos os olhos pelos adolescentes eufóricos...
o moreno, o mais alto da turma, ia ser astronauta, ele tinha a certeza disso; hoje faz o turno da noite naquela mega-padaria de marca espanhola...
e aquela no canto, a de cabelo curto, esperta e alegre, ia ser diplomata...ou médica...mas tinha a certeza que ia correr o mundo e ajudar os outros; é recepcionista naquele consultório de dentistas brasileiros (“ao menos tenho emprego”, disse-me quando lá fui receber as quotas do sindicato)...
o loirito, o que está aninhado, e que era o melhor aluno: esse ia ser cientista, ou um grande engenheiro, mas nem sequer chegou aos 30...uma tragédia, dizem que foi desgosto de amor.
a que está a rir muito, no canto esquerdo, linda de morrer, foi o meu primeiro beijo, num intervalo duma aula de ginástica: sabia cantar, encantar e...beijar; jurava que iria ser actriz ou modelo; cumprimentou-me ontem, no pequeno café do bairro, cabisbaixa, gordita e envelhecida, a carregar o peso do mundo nos ombros...
e aquele...e o outro...e a que está sentada...e a que está de joelhos...todos são projectos incompletos.
É esta a realidade de que fala este disco. De sonhos desfeitos, de enganos, da crueza duma vida sem caminho e sem saída, de dias impossíveis que nunca chegarão, bandidos falsos, amores assassinos e deuses que gritam sós. A única esperança reside no nevoeiro."
Miguel Pedro

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