sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O SILÊNCIO DE ANTÓNIO VASCO MORAES




















Por vezes, no Fado como em outros géneros musicais já muito antigos, com uma História feita de factos reais ou lendários, de figuras tutelares, de regras próprias – seja nos poemas, nas tradições melódicas e harmónicas, na forma própria como cada intérprete contribui para a sua preservação e evolução –, é preciso reservar espaço para o “silêncio”. Para que a música, as letras e as vozes que o vão quebrando – e, paradoxalmente, para que este “silêncio” em forma de música assim continue – lhe acrescentem algum significado, algo mais que não existia antes, alguma nova labareda nesta enorme e sempre viva fogueira que é a tradição do Fado.

 E é o respeito, a atenção e, acima de tudo, o enorme amor que António Vasco Moraes tem pelo Fado, pela sua história, pelos seus vultos maiores e pela sua tradição que o obriga, sempre, a pesar o quando e o porquê de cada disco que edita. Com uma carreira iniciada na primeira metade dos anos 90 – numa altura em que pouquíssimas pessoas da sua idade se atreviam a cantar Fado – e cimentada na década seguinte, António Vasco lança agora o seu segundo álbum, apropriadamente chamado “Silêncio”, um disco que sucede a “Saudade”, publicado em 2011. E se “Saudade” era o culminar digital de uma vivência no Fado de duas décadas a cantar em variadíssimas casas de fados de referência e em espectáculos históricos – “Fados” de Ricardo Pais (1994), “Amália” de Filipe La Féria (2003) e “Casa de Fados” de Tiago Torres da Silva (2004) –, o novíssimo “Silêncio” mostra um ainda maior refinamento e uma ainda maior maturidade na sua forma muito própria de pensar, sentir, escrever e cantar Fado. Um Fado que mergulha no seu riquíssimo passado e, com humildade, sobriedade e paixão, lança ainda outras pistas para o seu futuro.

“Saudade” trazia consigo muitos fados tradicionais amados por António Vasco – fados de Marceneiro, Joaquim Campos, Fontes Rocha, João Maria dos Anjos… –, alguns com letras escritas por si próprio, outras de Tiago Torres da Silva, João Ferreira-Rosa ou da poetisa angolana Alda Lara. Mas trazia também “Porto Sentido” (Rui Veloso/Carlos Tê) e o tema brasileiro “De Mais Ninguém” (Marisa Monte/Arnaldo Antunes”). E tinha o enorme José Pracana a tocar guitarra em “Adeus Mouraria”.

Agora, em “Silêncio”, estão com ele dois dos seus companheiros do disco anterior – Dinis Lavos na guitarra portuguesa e Jaime Santos Jr., filho do mítico Jaime Santos, na viola de fado –, para além do baixista Francisco Gaspar e de dois convidados muito especiais: a também fadista Maria Ana Bobone que aqui não canta mas toca piano em “Ai Esta Pena de Mim”, de Amália Rodrigues, e Silvestre Fonseca, mestre da guitarra clássica, em “La Barca”, um bolero do mexicano Roberto Cantoral, cantado por António Vasco em espanhol. A tradição, a mais pura tradição, encontra-se no ousado “Romance Incompleto” – rapsódia criada por Manuel de Almeida em que são cantados os Fados Pinóia, Lolita, Alberto, Calisto e Mouraria –, em “Lembranças” (o Fado Esmeraldinha de Júlio Proença), “Promessa de Amor” (o Fado Zé Negro de Francisco José Marques), “Fado Louco” (de Alfredo Marceneiro e baseado no Fado Corrido) ou “Fado das Violetas” (o Fado Alvito de Jaime Santos). E há ainda lugar para uma visita ao cancioneiro tradicional rural, em “Cantigas”, um tema popular com letra de Maria Manuel Cid.

 Com outros poemas – originais e clássicos – de António Vasco Moraes e de João Villaret, Manuel de Almeida, Ricardo Rosa, Tiago Torres da Silva, Maria Manuel Cid, Amadeu do Vale ou Maria Luísa Baptista, “Silêncio” demonstra bem quanto António Vasco Moraes – e a sua voz sóbria, moldada pelos ecos e memórias de nomes como Tereza Tarouca, Fernanda Maria, Maria Teresa de Noronha, Carlos Zel, João Ferreira-Rosa ou Alfredo Marceneiro – já definiu um espaço que é só seu no imenso universo do Fado. Um universo que sempre cresceu nele e com ele continua a crescer também.

Silêncio nas lojas a 14 de Outubro
 

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