Na edição integral da obra de Amália que a Valentim de Carvalho tem vindo a fazer desde 2014, para além da publicação do material inédito existente nos seus arquivos, está o não menos desafiante propósito de organizar e reeditar, em melhores condições sonoras, o seu legado discográfico. Fados 67 assume um lugar especial nesse projecto, ao juntar esse LP, publicado há cinquenta anos, ao restante material gravado com o Conjunto de Guitarras de Raul Nery, do qual saíram vários discos de Amália, entre os quais o famoso Vou Dar de Beber à Dor. Fica assim disponível pela primeira vez na sua real dimensão o mais admirável conjunto de gravações feito por Amália num tão curto período, entre 1966 e 1968. Admirável a vários níveis, seja pela qualidade e quantidade de repertório, seja tecnicamente – foram os primeiros registos de Amália editados em stereo –, seja, sobretudo, artisticamente – logo pelo extraordinário acompanhamento.
Se o Disco do Busto, de 1962, tinha sido o seu álbum mais inovador, pode dizer-se serem estas as mais modernas sessões de gravação de fado alguma vez feitas, não apenas pela quantidade de novos universos musicais e poéticos experimentados – muitos deles só conhecidos posteriormente noutras versões –, como pela modernidade que é em si a arrogância vocal e o controlo absoluto da voz que Amália tem nestes anos.
A sua técnica pode não ter sido aprendida numa escola mas é das mais perfeitas ouvidas a um cantor popular e, dentro do fado, um caso isolado que assim continua, tal a sua excepcionalidade. Amália neste período possui uma igualdade de emissão, um equilíbrio entre ressonâncias altas e de peito, um controlo da respiração, do fraseado, da afinação e da dinâmica, que mesmo numa vocalidade cultivada não é vulgar. Também a sua intuição artística permite-lhe entrar em géneros musicais muito diferentes e trazê-los sempre ao seu próprio universo vocal.
Por outro lado, Fados 67 é o disco de Amália que melhor nos transporta à ainda maior quimera dos seus fãs: ouvi-la cantar espontaneamente numa casa de fados, nessa altura de domínio absoluto da sua voz. O excerto filmado n’ O Embuçado, para um documentário da televisão francesa, onde canta “A Viela”, ao lado de Alfredo Marceneiro, nesse mesmo “Fado Cravo” de “Maldição”, é até agora o único registo conhecido de uma dessas noites fugazes. Nunca, como então, ficaram tão bem e foram tão verdade os versos: “Estava ali o fado inteiro / Pois toda ela era fado”.Com Amália, a cantar um fado tradicional, em 1967.
Fados 67 é um disco triplo e é uma edição muito aguardada pelos admiradores de Amália, chega às lojas a 8 de Dezembro
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