sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

DISCO DE STEREOSSAURO À VENDA




















BAIRRO DA PONTE à venda em CD, download e streaming
Concerto de apresentação a 28 de Fevereiro (Lux, Lisboa)

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Fado. Hip hop. Mundos distintos, distantes e díspares ou, pelo contrário, dois corpos culturais que se atraem exactamente porque partilham tanto em comum?

Em Para Uma História do Fado, o reputado musicólogo Rui Vieira Nery fala de uma música nascida nos círculos “boémios e marginais” de Lisboa e, na sua investigação de documentos históricos, cita os diários de um oficial alemão que passou pelo Brasil no primeiro quartel do século XIX e que descreveu o fado como “dança de negros tão imoral e no entanto tão encantadora”.

É certo que o hip hop tem uma origem distinta, fruto de uma experiência cultural muito precisa e específica, no Bronx, bairro de Nova Iorque, nos alvores da década de 70. Mas, talvez mais do que qualquer outra expressão musical da idade da pop, o hip hop teve o condão de se disseminar globalmente assumindo, em cada lugar, as marcas concretas de cada realidade que o acolheu. Se a cadência do ritmo, as ferramentas de produção ou o domínio da rima e a sua entrega com flows característicos permitem traçar marcas de universalidade neste género – quer estejamos a falar de hip hop produzido na América, em Portugal, em Angola, na Rússia ou no Japão... –, a verdade é que a língua, o calão, as histórias que se contam, as realidades que reportam e até – e isto é muito importante – os samples que adornam a música reforçam as diferentes identidades locais.

Como o fado, portanto, também o hip hop português – ou tuga... – tem na sua origem marcas de boémia e de marginalidade e uma inequívoca negritude que o liga à geração nascida dos que vieram para Portugal arrastados pelos processos de descolonização após o 25 de Abril.

O hip hop e o fado têm muito mais em comum do que se poderia pensar. E só alguém que amasse tanto as duas culturas poderia facilmente ver o que as une em vez de se focar no que as separa. Alguém como Stereossauro.

Stereossauro é um veterano que carrega nos ombros uma carreira que se estende pela melhor parte de duas décadas: experimentação solitária primeiro, no quarto, com discos e gira-discos, com colagens disparatadas, tudo alimentado a uma curiosidade infinita, daquela que ainda não se saciava com uma pesquisa no Google; depois veio a aliança com o seu inseparável companheiro DJ Ride, cabeça de pensamento similar, com quem criou os Beatbombers e ao lado de quem conquistou dois títulos mundiais na exigente arte do scratch; e em cima de tudo isso contabiliza ainda várias mixtapes, produções avulsas, batidas criadas para muitos MCs, exercícios de derrube de barreiras entre o que entendia ser o “seu” hip hop e a música portuguesa que sempre abraçou – os Clã e Mão Morta, o Sérgio Godinho e Zeca Afonso... ou Carlos Paredes e Amália.

Quando remexeu em “Verdes Anos”, assumindo os pads da sua MPC como o mestre assumiu o aço das cordas da sua guitarra, Stereossauro abriu – talvez seja melhor escrever “escancarou” – um universo de possibilidades: o maestro António Vitorino de Almeida, numa cerimónia oficial, viu e ouviu Stereossauro a reinterpretar “Verdes Anos” e aplaudiu o resultado. De repente, ganhámos todos uma música que era nossa, que era moderna e intemporal, que olhava para o passado e para o futuro e por isso definia o presente. Foi a música escolhida pela RTP para anunciar a chegada a Portugal da grande festa da canção: os Beatbombers puderam depois interpretar a sua versão de “Verdes Anos” na cerimónia de encerramento do Festival Eurovisão da Canção perante uma plateia verdadeiramente global.

Stereossauro deu agora o passo seguinte: BAIRRO DA PONTE. O trabalho com que sucede a Bombas em Bombos, o seu primeiro álbum em nome próprio, editado em 2014, é, simplesmente, o mais ambicioso da sua carreira e um disco que tem tudo para assumir uma justa condição de registo histórico.

Partindo dos masters originais de Carlos Paredes e Amália Rodrigues depositados nos arquivos da Valentim de Carvalho, Stereossauro criou um espantoso trabalho de fusão entre tradição e modernidade, carregado de história mas também de sonhos de futuro. Este tipo de acesso tem sido raro na história da música – os US3 ou Madlib a abordarem livremente os arquivos da Blue Note são exemplos possíveis – e é totalmente inédito em Portugal. Nunca um produtor de hip hop no nosso país teve a possibilidade de pesquisar sem restrições neste género de arquivos, de aceder a masters e a bobines de multipistas e ouvir aquilo que muito pouca gente ouviu, para lá dos artistas e dos engenheiros de som envolvidos originalmente nas sessões. No caso de Amália, já nem a diva nem o seu engenheiro de sempre, o mestre Hugo Ribeiro, se encontram vivos, pelo que aquilo que Stereossauro escutou naquelas multipistas – a fadista a falar com os seus músicos entre takes, a dar instruções ao seu engenheiro – equivale, muito literalmente, a viajar no tempo, até às décadas de 60 ou 70 do século passado. E Stereossauro, quando descreve o processo, não esconde o entusiasmo e usa, com frequência, palavras como “arrepio” ou “privilégio”.

O que é este BAIRRO DA PONTE que Stereossauro habita, então?

É o nosso presente, o presente de uma cidade livre, que ostenta com orgulho as marcas identitárias que a distinguem de outras cidades, onde o passado vive no presente e onde o presente continua a ousar projectar o futuro. É um bairro de tascas frequentado por marialvas e fadistas, por MCs e DJs, por gente que pinta o nome nas paredes e nos braços e que nunca esquece Amália ou Carlos Paredes.

Nestes dias actuais, Lisboa está cada vez mais presente no mundo: os milhões de selfies nos seus pontos mais turísticos atiram-na para os labirintos do Instagram e vulgarizam-na numa vertigem de pastéis de nata e latas de sardinha. Mas há outro lado nessa feroz equação do progresso: derrubam-se barreiras que antes tornavam as tradições inacessíveis à transformação nas suas redomas de cristal, derrubam-se muros sociais, misturam-se ideias e práticas. E o que resulta daí é uma nova vibração, a vibração que, precisamente, atravessa este BAIRRO, as suas vielas e varandas, as suas tascas e jardins, as suas gentes.

É com a voz de Amália que o Bairro da Ponte se abre: “eu canto este meu sangue, este meu povo”, revela a diva. E está criado o clima para um disco que ao longo de 19 faixas reúne um número sem precedente de convidados num projecto destes. Por ordem de entrada em cena: Camané, NBC, Slow J, Papillon, Plutónio, Ana Moura e DJ Ride, Dino d’Santiago, Carlos do Carmo, Legendary Tigerman e Ricardo Gordo, Gisela João, Capicua, Ace, Rui Reininho, Nerve, Razat e Paulo de Carvalho, Holly e Sr. Preto.

Gente do Norte e do Sul. Gente do fado e do hip hop. Do rock. Gente de várias gerações, de diferentes posturas, com diferentes sotaques. Gente de todas as cores. Homens e mulheres. Cantores, músicos e produtores. Amigos: como Ride e Holly, claro, e como Razat, companheiro na exploração dos fundos mais graves que tristemente desapareceu em vésperas da edição deste BAIRRO DA PONTE. Ele era um natural habitante deste lugar cheio de futuro.

E há tanto mais aqui dentro: as vozes de Amália ou de Alfredo Marceneiro, as guitarras de Carlos Paredes ou António Chaínho e até o assobio de Vasco Santana. Depois de tantos anos mergulhado em feiras de velharias em busca dos vinis de que também se faz a nossa memória, Stereossauro deu o passo seguinte e foi beber directamente à fonte, aos arquivos, onde repousa a memória de uma cultura que está mais viva do que nunca. Pegar nessa memória e devolver estas vozes, estes dedos, estes sons e estes sopros ao presente é erguer algo de novo. E Stereossauro, DJ e produtor, assume também no disco a condição de músico e até de letrista: criou ele as palavras que Gisela João ou Ana Moura cantam neste disco. Um bairro novo, portanto. Erguido à sombra desta ponte que nos continua a permitir cruzar águas e tempos, vidas e culturas. É assim que se faz história. E esta é a história de Stereossauro.
ALINHAMENTO DE "BAIRRO DA PONTE"

1. Flor de Maracujá feat. Camané [videoclipe]
2. Vontade de Deus feat. NBC & Ricardo Gordo
3. Nunca Pares feat. Slow J, Papillon & Plutónio [videoclipe]
4. Depressa Demais feat. Ana Moura & Dj Ride
5. Duas Casas feat. Capicua
6. Vento feat. Gisela João [streaming]
7. Código da Rua feat. Ace
8. So Sodade feat. Dino d'Santiago
9. Cacilheiro feat. Carlos do Carmo, The Legendary Tigerman & Ricardo Gordo
10. Arleking feat. Rui Reininho
11. Ingrato feat. Nerve & Dj Ride
12. Barco Negro feat. Dj Ride
13. Novo Sal feat. Paulo de Carvalho & Razat
14. Pequenino feat. Holly
15. FFFFF feat. Sr. Preto
16. Entrega
17. Para os Poetas feat. Ricardo Gordo
18. Eu Te Pertenço feat. Dj Ride & Holly
19. Verdes Anos remix part 1 e 2 feat. Dj Ride

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