Menino da Mãe é a raiva de uma criança do subúrbio que morreu na capital. Electrónica punk noise experimental, não faz ideia do que está a fazer mas faz como pode e o resultado é uma construção ansiosa e desconcertante dos seus instrumentais sem noções de tempo ou métrica, à deriva entre canções e experiências de 150 bpm, sempre acompanhadas de odes urbano depressivas gritadas do fundo do estômago. É ritual de purga e uma celebração à resistência nas cidades. Bêbado.
“20 20” o isolamento profiláctico 20 20, o novo projecto e primeiro álbum de Menino da Mãe, foi gravado entre janeiro e dezembro desse não-ano cujas marcas na pele ainda estão por definir, quanto mais sarar. E isso sente-se nestas novas músicas. Face ao seu anterior EP, 20 20 é, de facto, um disco mais agressivo, ruidoso, onde os sons distorcidos dão o corpo possível à (ir)realidade distorcida a que Menino da Mãe materializa na voz. Não poderia ser de outra forma.
"Foi no final de 2018 que começámos por ouvir Menino da Mãe (Bernardo Bertrand, também o nome por trás de Japo e uma das metades de Meia de Leite) purgar de pulmão cheio e mente desfeita por uma Lisboa disfuncional que de dia para dia consegue dar sempre cabo de nós.
«Esta cidade deu cabo de mim», cantava nesse hino que é A Cidade e que veio a figurar no seu primeiro EP, Felácios. Falésias. Falácias (2019). Na altura, era «só» uma cidade a causar destruição. Mal se imaginaria que a partir do ano 2020 seria o mundo inteiro a caminhar lenta e dolorosamente para uma entropia que afunda até o mais esperançoso dos mortais, e que dificilmente conseguiríamos vislumbrar uma nesga de luz neste limbo. 20 20, o novo projecto e primeiro álbum de Menino da Mãe, foi gravado entre Janeiro e Dezembro desse não-ano cujas marcas na pele ainda estão por definir, quanto mais sarar. E isso sente-se nestas novas músicas. Agora, existe menos espaço para formalismos ligados a uma ideia de canção (o que não impede que elas, as canções, não estejam presentes e pungentes), até porque, perante a agressividade a que temos sido vetados, a via a seguir torna-se inegavelmente exploratória.
Esse caminho é perceptível logo no tema de abertura, Dói-me o rabo de estar sentado, que entre percussões e o som de um aspirador nos mostra catarticamente uma canção que vai contra a cruz do isolamento que o mundo tem imposto a tantes («Porque eu sozinho não tenho força para existir»).
A dualidade entre a solidão sentida e imposta e a necessidade de extravasar os demónios na rua atravessa todo o disco, tendo o seu apogeu na versão de Bloco na Rua, um original do cantor/compositor brasileiro Sérgio Sampaio, na qual Menino da Mãe abre as portas do seu quarto à colaboração de Violeta Azevedo e da sua flauta modulada. Esta não é a única colaboração neste novo disco. Antes, podemos ouvir o baterista Raphael Soares (Alförjs, Sunflare, O Carro de Fogo de Sei Miguel) em No Lodo, com quem cria uma manta sonora impactante que não destoaria dos melhores dias dos Black Dice, ainda que com uma agressividade mais latente.
É bonito ver como, perante uma realidade que nos isola, Menino da Mãe permitiu que a sua música entrasse em comunhão com as visões de outres artistes. Só ao lado de quem nos é próximo é que tudo isto poderá fazer algum sentido.
Face ao seu anterior EP, 20 20 é, de facto, um disco mais agressivo, ruidoso, onde os sons distorcidos dão o corpo possível à (ir)realidade distorcida a que Menino da Mãe materializa na voz. Não poderia ser de outra forma."
João Moço
João Moço

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