terça-feira, 28 de março de 2023

SILK NOBRE EDITA DISCI SEXTA-FEIRA





















Silk Nobre usa uma expressão muito curiosa quando fala sobre si e sobre a sua mais funda identidade: “sou da geração que quase nasceu em África”. Esse “quase” é um sinal, um eco da nossa própria história – a do país que ainda tenta encontrar formas de se reconciliar com um passado difícil, complexo, doloroso, mas também carregado de alegrias. E será que existe uma maneira melhor de sarar feridas passadas que ainda doem no presente do que enquanto se dança? Silk acredita que não e, por isso mesmo, pede-nos: “Diz à mãe que está tudo bem”. É esse o título do seu álbum de estreia.

Mas há uma história anterior: homem dos palcos em diferentes instâncias – no teatro é Fernando quando está nos bastidores ou o que a personagem ditar quando pisa a boca de cena -, Fernando “Silk” Nobre tem uma longa linhagem funk: dos Funky Messengers aos Mister Lizard e daí aos Cais do Sodré Funk Connection, agremiação cultural que fez dançar muita gente, da Rua Cor de Rosa às ruas de todas as outras cores por esse país fora e mais além. Silk também era personagem, meio James Brown, meio acrobata, meio homem, meio mito. Mas agora, em “Diz à Mãe Que está Tudo Bem” é outra coisa, mais funda. Ele explica.

“Musicalmente criamos a nossa própria identidade na viagem, no processo, no estudo dos clássicos das principais influências que inspiram os grooves que nos fazem dançar. Afro soul funk que vai de Bee Gees a Bonga, de Fela kuti a Zeca Afonso, e por aí fora. Afasto-me da zona de conforto para poder crescer no encontro com o outro”. Curiosamente, esse “outro” que Silk Nobre menciona é ele mesmo. Já não é personagem, é vida real.

“O disco trata de uma história universal de amor e reconciliação familiar!”, garante-nos. É um trabalho que fala verdades e por isso mesmo é unificador, pacificador sem deixar de apontar o dedo ao que considera estar errado e ser injusto. É íntimo e político ao mesmo tempo. Faz pensar e dançar. E não necessariamente por essa ordem.

Com Ivo Costa e Pity (Rui Pedro Pity), todos da geração que “quase” nasceu em África, como refere (sendo que Fernando, nasceu mesmo em Maputo, em 1971), Silk Nobre criou um disco que tem funk e semba, soul e afrobeat, rhythm n’ blues e zouk e música de intervenção, tudo junto porque não dá para dividir. E sobre esses balanços, o disco, sublinha ainda Silk, “fala de coisas desaparecidas e dos desafios do exercício da democracia”.

Precedido pelo explosivo e afirmativo “I am back (back to Africa”, este álbum está carregado de histórias. Permitiu a Silk encontrar o Armando Tito que tocou com a Cesária Évora quase ou mais de 20 anos; e o Miroca Paris que a acompanhou ao longo dos últimos tempos; e partilhar uma música com Sara Tavares, “com quem cultivamos amizade e cumplicidade que faz deste disco uma pérola muito nossa, mais uma para o nosso colar musical”, confessa. E há muito mais pessoas envolvidas nesta salada de sons como por exemplo Gui Salgueiro que se ocupa das teclas; ou uma secção de metais em que se encontram Jéssica Pina, Ruben Luz e Tomás Marques. Tudo gente boa que permite que a voz de Silk chore e ria, que dance e sonhe, que agite e tranquilize em igual medida.

“Este disco tenta fazer tudo isso”, esclarece Silk, “e recolhe e pesquisa o melhor das nossas vidas para erguer um conceito à medida da minha voz e do que tenho para entregar, enquanto autor, numa linguagem tradicional com um twist eletrónico. Por razões económicas e estéticas. É para viajar pela diáspora numa Tour Lusófona. Palavras novas no nosso léxico. Por isso brincamos com os dialectos, as expressões idiomáticas, as metáforas, e tratamos o criolo de rua como se fosse Shakespeare”. Disco rico, portanto. No que propõe musicalmente e no que oferece poeticamente.

E nesta descodificação de “Diz à mãe que está tudo bem”, Silk conclui: “Eu gosto dos derrotados, porque eu também sou um deles, um dos tais que quase não teve sorte, quase conseguiu, sei lá o quê...” E quem fala assim, só pode cantar ainda melhor.

“Diz à Mãe que está tudo bem.”, será editado em vinil, CD e nas plataformas digitais a 31 de marco de 2023.

Discografia:
Shout & Sara Tavares -Gospel -Produzido por Dale Chapel e Sara Tavares em 1998
Funky Messengers- Cheira a funky -Pop,Funk, Rock,Soul & Afro -Produzido por Theo Pascal & Silk Nobre em 2004
Mister Lizard EP .Heavy Funk -Produzido por Anthony John & Silk Nobre em 2011

Cais Sodré Funk Connection
Single -"Lose It " com Rickey Calloway- Vinil Rastilho -Produzidos por CSFC-2010
You Are Somebody -Soul & Funk-Vinil Rastilho-Produzidos por CSFC- 2012
Soul Sweat and Cut The Crap-Soul & Funk-Vinil Rastilho-Produzidos por CSFC- 2016
Back On Track -Soul & Funk- Vinil Rastilho-Produzidos por CSFC-2019

Silk Nobre "Diz a mãe que está tudo bem " CD, Vinil, plataformas digitais- Nobre Funk- Pop, Funk Afro- Produzido por Silk , Pity, Ivo Costa -2023

Sobre Fernando Nobre a.k.a. Silk Nobre :

Fernando Nobre - Cantor, encenador, ator e músico nasceu em Lourenço Marques, Moçambique em 1971. Filho de pais cabo-verdianos, é o mais novo de uma família de 6.

A mistura de sangue na sua arvore genealógica corre da Guiné até à Escócia. Das memórias de criança reteve a noite de 25 de abril de 1974, onde recorda estar a dançar de felicidade. A família retornou a Portugal em 1979, dentro da chamada vaga de migração das ex-colónias para Portugal continental nos pós 25 de abril, sendo o termo mais utilizado neste êxodo de “ os retornados”.

Na adolescência e juventude a adaptação com que muitos destes núcleos familiares foram encaixados na sociedade e quotidiano não foi fácil, , e sem se sentir menor na nostalgia de crescer como muitos dos “retornados” e da forma como eram encaixotados nas torres do bairro social da Zona J de Chelas, respirava as barracas na paisagem a paredes meias com os bairros de lata, ouviu de tudo das janelas do seu saguão. Recorda as festas de quintal no Areeiro, o mundo no quintal na companhia dos mais velhos a bailar com as “damas” de Marvila, testemunhou onde se fechava as noites no antigo Bairro Alto dos anos 80 e 90, o convívio do rock, a passagem pelo rap e pelo metal, até à pop da MTV... Aos domingos sentava-se no banco da igreja baptista, onde no berço em que “ Deus é Amor”, sentia adoração ao próprio sol enquanto cantava gospel no coro: o sagrado. Estes eram os dias entre o céu e o profano, misturados com as histórias de vida boémia em Lisboa, em que todos usavam cabelo comprido, iam aos bolos ao chile e corriam para apanhar o último comboio em busca de um outro sítio para dançar .”The Soul Train”.... Foi bailarino de street dance até ir para a tropa e fez-se ao conservatório para aprender arte de comunicar...

Formou-se na Escola do Conservatório: Escola Superior de Teatro e Cinema. Desde aí, já realizou mais de 50 peças na Companhia de Teatro da Garagem, onde fez parte do elenco fixo durante mais de 10 anos. Os géneros dramático, trágico e cómico cruzam -se com habilidade na sua interpretação, quer no teatro , quer em novela, series e cinema. Já algum tempo assumiu a sua faceta de Professor de Teatro e Performance. Integrou o coro de gospel Shout. fundou e colaborou com os Funkie Messengers, Mister-Lyzard, Funk do Boi. Fecha agora o ciclo como “frontman” e vocalista dos Cais Sodré Funk Connection, onde gravou 3 álbuns de originais. inicia agora o seu novo projecto como interlocutor lusófono e praticante da fala criola num convite à viagem pela história e herança da música negra na diáspora, segundo os estudos e ensinamentos dos clássicos criados pelos encontros atlânticos entre Portugal e África, num convite à festa, á dança, à celebração na era digital e das comunicações rápidas e da inteligência artificial.

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