domingo, 9 de maio de 2004

CLÃ - Rosa Carne (EMI)



Acabei de ouvir mais uma vez “Rosa Carne”. Sinto o corpo mais leve e uma paz de espirito imensa. O novo disco dos Clã é um registo que faz bem à alma e ao coração. Deixo-me ficar deitado em cima da cama contemplando o infinito. Que fazer? Levanto-me…
Que escrever? A mente empilha palvras, constroi frases. Os dedos não respondem à velocidade das ideias. Olho mais uma vez a carne rosa. Carrego nas teclas do computador. Não resisto. Volto de novo ao início do cd. Sinto sons pop correrem-me as veias.
Pelo ar do quarto as frases cantadas por Manuela Azevedo colam-se nas paredes. São palavras saídas das mãos de Carlos Tê, Arnaldo Antunes, Sérgio Godinho, John Ulhoa, Regina Guimarães, Hélder Gonçalves e Adolfo Luxuria Canibal. Poemas escritos no feminino. “Rosa Carne” fala de uma mulher que bem podes ser tu. Onde estás?
A abrir encontramos “Competência para Amar”, um tema que apesar de não ter cara de single serviu para apresentar o novo registo dos Clã. A verdade é só uma: por vezes não há “Competência Para Amar”, pois existe entre o casal um enorme “Problema de Expressão”. Este tema, bem assim como “Crime Pasional” e “Madalena em Contrição” têm arranjos de cordas e sopros feitos por Mário Laginha. São arranjos discretos, mas que preenchem os temas de forma sublime.
Ao ouvir as 14 canções que enchem este disco, ficamos plenamente convictos de que Hélder Gonçalves é de facto um dos melhores músicos nacionais. O disco tem pormenores que se vão descubrindo deliciosamente ao longo das várias audições. Ao lado de Mário Barreiros, Hélder produz “Rosa Carne” de forma a que cada poro do disco possa respirar livremente.
Já passámos por “Fio De Ariane” e “Madalena Em Construção”. O terceiro tema do disco é seguramente o tema que os Clã sempre desejaram escrever, mas nunca arriscaram fazer. Foi esta a hora certa. Nunca mais nenhum disco da banda voltará a ter uma canção assim tão leve.
“Eu Ninguém “, com letra de Arnaldo Antunes, cheira a côco, sabe a Brasil. Viajamos por instantes, para regressarmos mais descontraídos.
Assim, podemos receber “Uma Mulher da Vida” e “Topo de Gama” com outra vontade. Estes são os temas mais rock do disco. São duas faixas que estão para “Rosa Carne”, como “Fahrenheit” estava para ”Lustro”. Servem para acordar os nossos sentidos, não nos deixando adormecer.
Já bem dispertos, podemos deixar entrar nos nossos ouvidos “Carrosel dos Pequenitos”, um tema que seguramente dará segundo single. Cola-se irresistivelmente à pele. Se não for este será com certeza “Aqui na Terra”. São sons incrivelmente pop, onde os arranjos dão contornos verdadeiramente especiais ao tema. Apetece-me gritar!
Depois é a vez de “Gordo Segredo” , tema em que um sopro de piano se espeta no nosso coração. A paz esvoaça como uma pomba branca diante dos nossos olhos. Continuamos a levitar em “Pas de Deux”. Subimos ao paraíso onde encontramos uma “Lágrima Moça”. Este tema e “Crime Passional”, são escritos de forma singular por Adolfo Luxuria Caninbal. Letras a pedirem um ritmo um pouco mais industrial. E assim a nossa mão fica quase morta…
Agora que estamos saciados, somos convidados a adormecer. No final do disco Manuela Azevedo, que foi mãe há pouco tempo, canta “Canção de Cabeceira”. Uma canção de embalar… Fechamos os olhos e ao som de “Seja Como For” sonhamos com Copa Cabana.
No dia seguinte acordamos com a certeza de termos estado a ouvir aquele que é de facto o melhor disco dos Clã. Um registo que coloca a banda num patamar que dificilmente outros grupos atingirão. É dificil chegar às nuvens…
Vou voltar a ouvir de novo “Rosa Carne”. Vou deixar que esta música se esperte delicadamente na minha carne rosa…Vou voltar a saborear este algodão doce… Adeus, até ao meu regresso.

Nuno Ávila