Todos os dias às 19h, o mais antigo programa de rádio pela música portuguesa
está na RUC em 107.9FM ou em emissao.ruc.fm
material para audição/divulgação, donativos, reclamações e outros para:
Fausto Barros da Silva - Apartado 4053 - 3031-901 COIMBRA
domingo, 13 de junho de 2004
AS VARIAÇÕES DE UMA VIDA
A 13 de Junho de 1984 calava-se a voz. António Variações morria em Lisboa vítima de sida. Se hoje fosse vivo, António Joaquim Ribeiro, teria 60 anos.
A música era a sua paixão. A sua arte era a de cortar cabelos. Veio para Lisboa para exercer a profissão de barbeiro.
Foi na sua barbearia que conheceu Júlio Isidro. Enquanto cortava o cabelo ao apresentador segredou-lhe ao ouvido que tinha gravado numa velha cassete umas músicas escritas por ele. Júlio Isidro ouviu e rendeu-se ao talento de António Variações.
A primeira vez que o vimos na televisão ficámos de boca aberta. Vestido de comprimido interpretou um tema que juntava sons de vanguarda com ritmos tipicamente portugueses. Mais tarde, apareceu novamente no Passeio dos Alegres, desta vez de pijama e com um ursinho de peluche na mão. A agitação era enorme. Todos queriam saber quem era aquela personagem tão exótica.
Não foi fácil a António Varições provar que o sucesso da sua música estaria no singular cruzamento entre o que chegava de Nova Iorque e o que tínhamos em Braga. David Ferreira da EMI, editora que fez Variações chegar ao público, só depois de muita insistência se rendeu ao fenómeno. É que para além da música havia toda uma forma de estar e de vestir que não eram naturais para a época. António Variações era o costureiro de si mesmo.
Os músicos que trabalharam com António Variações, suaram. Variações não sabia nada de música, mas tinha ideias muito concretas. Os batuques nos tampos das mesas, um assobio, ou simplesmente um lá-lá-lá, serviam para dizer a quem o acompanhava aquilo que queria ver transformado em música. Tinha apenas a quarta classe, mas um talento enorme para a escrita. As suas letras são simples, mas comoventes.
Em “Anjo da Guarda” foram os músicos dos GNR que estiveram em estúdio com Variações. Em “Dar e Receber” coube a vez aos Heróis do Mar.
Era apaixonado por Amalia, sua maior referência. Canta: “Todos nós temos Amalia na voz (...)”. Variações tinha o fado na alma.
António Variações foi um músico que esteve muito à frente no seu tempo. Por isso havia quem o amasse e quem o odiasse. Pena é que a geração de músicos que se lhe seguiu não tenha pegado nas suas influências de forma a criar sons de raízes mais portuguesas. As bandas que o entenderam, caso dos MadreDeus, apesar das diferenças, (não devemos esquecer que Pedro Ayres de Magalhães trabalhou num dos seus discos), são hoje reconhecidas além fronteiras.
A prova mais evidente do que acabamos de escrever pode ser escutada no disco de tributo feito em memória do cantor onde a maioria dos grupos que participaram, estavam a quilómetros de entender o estado de espirito do autor da música que cantavam.
Variações morreu com uma doença que ainda não era conhecida. Para a história da música portuguesa, deixou ficar uma forma de estar e de cantar, que traduziu em temas que teimam em ficar para sempre colados ao nosso corpo.
20 anos após a sua morte, Amares sua terra natal, ganhou um busto com o rosto do cantor. É muito pouco, para quem deu tanto. Os bustos não cantam. Servem a maioria das vezes de repouso a alguns pássaros...
Nuno Ávila
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário