A compilação “DJs di Guetto Vol.1”, lançada há 17 anos e recentemente reeditada, mudou a vida a seis jovens das periferias de Lisboa, que hoje conseguem viver da música, mostrando a muitos que esse pode ser um caminho.
DJ Marfox tinha 17 anos em 2006, ano em que a compilação foi disponibilizada ‘online’ de forma gratuita. Com os DJ Nervoso, Jesse, Fofuxo (hoje conhecido como F Flava), N.K. e Pausas formou o coletivo DJs di Guetto, que tinha “o melhor das periferias de Lisboa”.
“Todos tínhamos algo em comum: queríamos ser DJ, queríamos ser produtores. Fomos unindo forças, trabalhando em conjunto, tentando sempre dar a melhor versão e visão do que, para nós, era um ‘kuduro’ feito em Lisboa, ou uma batida. Tentámos sempre dar a nossa visão sobre como seria um funaná mais europeu, uma tarraxinha ou um ‘ragga’. Tudo o que fosse tendência, que nós sentíssemos que as periferias dariam uma resposta ao que estávamos a criar, tentávamos inovar, tentávamos pôr a nossa visão de mundo”, recordou Marfox (Marlon Silva) em entrevista à Lusa.
Dos seis, apenas um nasceu em África, Nervoso, em São Tomé. Os restantes nasceram em Portugal. Marfox e Nervoso cresceram na zona de Loures, Jesse e Fofuxo na linha de Sintra, N.K. na zona de Oeiras e Pausas na Margem Sul.
Muitas vezes tentavam criar músicas como as que chegavam de Angola, mas não conseguiam. “Por mais que quiséssemos criar um funaná, íamos sempre criar algo mais parecido com o que ouvíamos na rádio e na televisão”, contou Marfox.
A música, a que muitos hoje chamam batida de Lisboa, “nasce dessa tentativa de criar algo que estava num continente distante [África] e com outras influências rítmicas”.
A compilação editada em 2006 é “a maior representação” daquilo que os seis ouviam em casa e fora dela, na escola, na rádio, na televisão.
“A nossa música é o melhor desses dois mundos. Conseguimos extrair o melhor dos dois e juntar. Por isso é que esta compilação acabou por ser um marco e teve um impacto grande nas periferias”, disse.
Marfox recorda que, na escola, o grupo agradava não só à comunidade africana, mas também aos portugueses, indianos, ciganos: “Toda a gente queria ouvir DJs di Guetto”.
O DJ e produtor acredita que “toda a gente se sentia meio que representada a ouvir aquela música, uns diziam ‘isto tem algo de techno’ e outros ‘não, isto é kuduro’”.
O som que faziam acabou por extravasar as periferias de Lisboa e até as fronteiras de Portugal.
“Sinceramente não estávamos à espera [do impacto que teve]. Só quisemos compilar as nossas melhores faixas e dar às pessoas. Depois, as músicas começaram a ir para outros países, como Espanha, França, Luxemburgo, Inglaterra”, referiu Marfox.
Nenhum dos seis estudou música e quando começaram, na adolescência, nunca pensaram que um dia pudessem fazer disso vida: “No início fazíamos música por fazer, não por uma questão de ‘vamos viver disto’ e hoje vivemos”.
Jesse foi o único que acabou por largar a música, “foi fazer um curso de gestão e hoje tem empresas”.
A mãe de Marfox queria que o filho estudasse, não queria que fosse DJ, e ele acredita que tenha sido igual com as mães dos outros.
“Acredito que os DJs di Guetto acabaram por desmistificar e tornar possível que, dentro da nossa comunidade, na periferia de Lisboa, nos guetos de Lisboa, fosse possível dizer ‘estás a ver aquele? É DJ, vive da música’, e isso inspirou a nova geração de músicos e tranquilizou muito mais os pais”, disse.
Com este coletivo, tudo acabou por acontecer sem querer, mas os seis acabaram por “ficar com um rótulo” de terem sido os primeiros e de terem influenciado muitos.
Afrokillerz, Studio Bros, DJ Firmeza, Nídia, Niggafox, Tristany ou Pedro da Linha são nomes que Marfox aponta como artistas que acabaram por ser influenciados pelos DJs di Guetto.
“DJs di Guetto Vo.1” foi o único álbum que o grupo editou. “Tivemos um segundo que nunca saiu. Ainda temos essas faixas, talvez possam vir a sair”, revelou Marfox, que acredita que o coletivo está “preparado para coisas novas”.
“Com o tempo, acho que os DJs di Guetto podem vir a fazer algo estrondoso. Se calhar daqui a dois/três anos, nunca se sabe. Estou muito esperançoso e o que temos falado é isso: deixar as coisas fluírem e vamos ver se podemos tentar novamente o estúdio para produzir, porque hoje em dia toda a gente tem uma logística grande, familiar e de negócios”, partilhou.
“DJs di Guetto”, editado em 04 de agosto em digital e vinil, apresenta uma seleção de 13 dos 37 temas da compilação original.
Segundo a Príncipe Discos, os temas selecionados captam “um espírito, um som e uma pujança; um salto em frente no kuduro original e outros estilos cristalizados que alimentaram as festas de bairro”.
JRS // TDI
Lusa/Fim
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