Fica hoje disponível em todas as plataformas digitais Tales From The Subterranean, o novo LP de Julius Gabriel. A edição será ainda libertada em vinil numa colaboração entre a Lovers & Lollypops e a editora alemã Ana Ott. O músico iniciará uma tour europeia de apresentação do disco já em março, estando prevista o regresso a Portugal para ronda de concertos em maio.
A motivação causada pela pressa de ver algo a mexer em 2020 convidou a encontrar muitos discursos sobre a criatividade durante a pandemia, a forçar um entendimento a quente, porque estávamos a viver a coisa a quente e a querer sair dali. A arte imediata e as suas resoluções pareciam um caminho. Percebemos agora que nos precipitamos - e muito - a encontrar respostas, soluções, a justificar existências, a procurar razões, a cometer o erro de acharmos que o melhor (o que vem a quente do momento) já tinha acontecido. Agora, conforme a distância se alarga, percebe-se que o melhor desses dias está a chegar (e continuará a chegar). Soberbo exemplo: “Tales From The Subterranean”, quinto álbum a solo do saxofonista alemão Julius Gabriel.
É preciso tempo, é preciso dar espaço às ideias. E uma ideia como esta não tinha surgido se o músico não estivesse fechado em casa, numa em Hamburgo com uma acústica muito sensível que convidou os ouvidos a perceberem o potencial do som produzido pelos dedos enquanto fazia exercícios no saxofone. Eis a ideia, a percepção, depois vem a maturação, os três anos e tal entre esse “momento Eureka” e a materialização da ideia, absorvida dentro e fora do confinamento, pronta para se ouvir cá fora e não num processo elíptico de “música de pandemia”.
“Tales From the Subterranean” não é “música de pandemia” mas sem a pandemia não teria existido. O silêncio fez Julius ouvir o som, mas depois precisou de perceber como o poderia amplificar, criar e gravá-lo sem perder as características eletroacústicas da ideia. A ideia é tangível logo na abertura, “Time Riding”, os dedos criam um ritmo dilacerante, um sapateado frenético que convida a dançar. Por cima, começam a surgir outros ritmos, marcados pela respiração ou pelo som do instrumento, que se instalam democraticamente na ideia inicial. A imersão pelo som e ritmo é total, a vontade de dançar mitiga quando se percebe que não se consegue acompanhar o movimento até que, no final, há uma desaceleração gradual que arruma o tema numa ideia de ciclo completo.
Uma excelente introdução a “Tales From The Subterranean” pela forma como introduz o desafio. Como ouvintes, estaremos sempre no limite, a ser testados, desafiados com a próxima ideia: e ela pode surgir na próxima canção ou a meio de um tema. “Footworks” bate no corpo como uma sirene de alarme de uma cidade, provoca excitação, ansiedade, medo, tudo ao mesmo tempo, activando os sentidos mais primatas para nos movermos, fazermos qualquer coisa. Mesmo quando baixa o ritmo, há urgência, uma estranha euforia circular que explora a ideia crucial do tempo para estudar, trabalhar uma ideia.
E isso nunca se esgota. Caramba, há uma balada lá para o fim, “Westward Of Sundown”. E o disco termina nas paisagens spaghetti western de “Hailing From The Mountains”. Ao longo de doze temas, Julius evoca diferentes caminhos que esses ritmos podem seguir, assume emoções - ou inseguranças ou ansiedades - através da ordem e dos tempos em que sobrepõe camadas e faz com que o som penetre em nós com euforia, medo e satisfação. Ausente de contenção, assente na ideia de que a libertação destes sons são uma emancipação, para se olhar e seguir em frente com optimismo. De dentro para fora. Aqueles dias escuros serviram para produzir este tipo de luz. E só agora a começamos a ver.
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