terça-feira, 24 de maio de 2005

ALRXANDRE CAMARÃO - THE REMIXES



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A velha máxima que nos indica que por vezes é mesmo necessário dar um passo atrás antes de avançarmos dois passos em frente assume especial relevância durante a audição de "The Remixes", estreia de Camarão em nome próprio para a Loop:Recordings. Porque qualquer músico sabe ser impossível reinventar o futuro sem lançar um olhar clínico sobre o passado, Alexandre Camarão voltou-se para o legado do passado que melhor o define a si mesmo como músico – a sua colecção de discos! Entender uma colecção de discos – que além de um depósito de música é também, e talvez isso importe mais, um catálogo de experiências – como ponto de partida para a criação de novos objectos musicais é algo a que, por exemplo, o hip hop já nos habituou através da sua estratégia abrangente de sampling. Noutros géneros de música conotados com a modernidade electrónica ou com o espírito de clubbing a citação ao passado fez-se sempre muito mais de forma exclusiva do que inclusiva – sampla-se normalmente o que é relevante para cada momento: o disco, o funk, o afro-beat ou a enorme paleta de texturas da música brasileira. E tudo o resto, o que não é funcional, é normalmente arredado em nome de um fundamentalismo estético que justifica sempre o momento presente. Mas Alexandre Camarão não adoptou essa atitude. Preferiu encarar a sua colecção de discos como uma lista enorme de possibilidades e o resultado é uma vigorosa viagem ao futuro definida precisamente por coordenadas arrancadas ao passado. Talvez por isso se leiam, na lista de dedicações do álbum, nomes como os de Alice Coltrane, Balanescu Quartet, Fela Kuti, Deodato, Les Rita Mitsouko, Inner Life, Marc Moulin, Né Ladeiras, Phlip Glass, Stevie Wonder, Salsoul Orchestra ou Underground Resistance.

Uma vez mais, "The Remixes" é o resultado do trabalho solitário de um músico, no caso específico em frente ao seu Mac. Talvez devido ao facto de Alexandre Camarão ser igualmente um artista plástico (é a sua arte que adorna a capa deste novo álbum), o seu disco resulte de um consciente processo de colagem de inúmeros fragmentos a que se foram adicionando nalguns momentos os inputs de músicos e vocalistas convidados como André Fernandes, Francisco Rebelo, Melo D, Kalaf, Marta Hugon ou Joana Ruival, entre outros. E o que se obtém depois é uma visão impressionista da música, em que só a distância confere sentido à enorme manta de retalhos sonoros que cada canção revela ser quando observada sob a sua forma gráfica no monitor de um computador. E no caso concreto da carreira musical de Alexandre Camarão, essa é provavelmente a grande novidade aqui. Em momentos anteriores da sua discografia, nomeadamente no álbum "Electric Sul" que gravou e editou pela Nylon como Shrimp, o pulsar era mais nitidamente electrónico. Em "The Remixes", à falta de melhor definição, tudo é muito mais orgânico – como se cada excerto adoptado já trouxesse a implicação do próximo, como se tudo se interligasse ao ponto de pensarmos que é aqui, nas dozes faixas de "The Remixes", que todos estes átomos de som se criaram pela primeira vez.

Alexandre Camarão remistura a sua colecção de discos e reinventa um futuro só seu. A soul está presente, tal como o hip hop e o funk e o jazz e o carácter cósmico da electrónica mais explorativa e a sofisticação de muitos exercícios de música contemporânea e… algo novo de indefinível.

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