Na canção que abre “Mantenhas”, último álbum do surpreendente Fernando Ferreira, ouvimos o som de uma percussão. É um som que existe como porta de entrada para uma viagem que não sabemos onde nos leva, um som que nos habitua à estranheza de um caminho mesmo antes de sabermos se é sequer um caminho.
Tudo neste trabalho é um apelo.
À tolerância – porque cada uma das canções vive do enorme desafio de unir continentes, culturas e pele.
À liberdade – porque é um trabalho aberto ao mundo e à sua diversidade. Com a extraordinária capacidade de nos permitir alargar o mundo como apenas os africanos conseguem. Mas também com o talento de juntar às origens uma influência cosmopolita europeia.
A África de Fernando Ferreira, a que ouvimos nestas canções que agora apresenta ao mundo, é um continente quase metafísico. Vive da memória de si e de um lugar de felicidade, mas que não é um lugar exato, um bocadinho como se fosse uma refeição de infância, irrepetível, única e pura. De alguma maneira, “Mantenhas”, o mesmo que dizer “Saudação”, corresponde a uma procura mítica de uma pureza perdida, a procura de um mundo em que exista luz campos abertos e uma ideia de felicidade – seja isso o que for.
Nestas magníficas canções estão as mornas e a coladeira, mas também a música dos portos do mediterrâneo ou o jazz. Estão a MPB e um fado que dificilmente é reconhecido sem escavação, trabalho para arqueólogos, viajantes ou sonhadores.
É um álbum de um homem sem pátria, mas que nunca será apátrida. Fernando Ferreira é o contrário disso, alguém que deseja carregar todas as pátrias que em si conseguirem caber.
Ele próprio canta que “não amou por desejar o mundo inteiro”, num dos versos mais bonitos de “Mantenhas” da autoria do João Afonso.
Se na primeira canção uma porta se abre, na última exalta-se a vida com um final de festa que nos apela a que sejamos maiores, que nos chama para uma dança que, como o amor, nos poderá salvar das cinzas de um tempo cinzento e obscuro.
Para ouvir.
E guardar sempre que precisarmos de viajar sem bagagem, livres como as crianças. Desamparados num amparo de liberdade.
Luis Osório
Luis Osório
MANTENHAS
1. I Abô Ki Di Mi (Guto Pires) 3:43
Este é um tema do Guto Pires que me traz a festa e a boa disposição africana e também a proximidade e o calor das tertúlias, dos almoços e das festas que insistem em nunca terminar sempre que os amigos se juntam e com eles, trazem uma panela de carinho e uma (ou mais) garrafas de boa disposição.
2. Pabia (Fernando Ferreira) 4:17
A minha primeira tentativa de escrever no crioulo da guiné. Custou um pouco procurar um vocabulário (que não domino) que fizesse sentido. Obrigou-me a entrar na fonética e nas minhas origens...acho que não correu mal.
A minha primeira tentativa de escrever no crioulo da guiné. Custou um pouco procurar um vocabulário (que não domino) que fizesse sentido. Obrigou-me a entrar na fonética e nas minhas origens...acho que não correu mal.
3. O Coração Sem Jeito (João Afonso) 4:17
O João Afonso faz-me e fez-me viajar com este tema. Vejo sempre um barco a sair do cais e sempre a chegar a um outro cais. Este tema não é de nenhum sítio em particular porque cabe em qualquer porto de qualquer mundo. Estando o mundo cada vez mais emparedado, intolerante, higienizado nos afectos e nas relações interpessoais, sabe bem não ter “jeito” e simplesmente amar e deixar-se amar.
4. Trazes Tudo O Que É Preciso (Amélia Muge) 3:51
4. A Amélia Muge trouxe generosidade a este alinhamento. Todos temos algo que importa e que é necessário... desde que seja urgente o importarmo-nos com alguém. A Amélia importou-se comigo. Numa tarde de verão quente, algures no Cais do Sodré... e sem brisa, a Amélia ouviu-me sem me conhecer. Sentiu-me, sem me saber. Escreveu-me e eu sou-lhe grato por isso... eternamente grato.
4. A Amélia Muge trouxe generosidade a este alinhamento. Todos temos algo que importa e que é necessário... desde que seja urgente o importarmo-nos com alguém. A Amélia importou-se comigo. Numa tarde de verão quente, algures no Cais do Sodré... e sem brisa, a Amélia ouviu-me sem me conhecer. Sentiu-me, sem me saber. Escreveu-me e eu sou-lhe grato por isso... eternamente grato.
5. Afroeurópica (João Ferreira / Fernando Ferreira / MC Igreja) 3:10
Com o João Ferreira e o MC Igreja... o cruzamento, a minha mistura, a minha história, a minha identidade. O João faz parte da minha história. O MC Igreja entra agora na minha história. É bom cruzar-me com eles.
6. Fuso Horário (Sebastião Antunes) 3:31
O meu percurso. O Sebastião Antunes por conhecer-me tão bem e tão de lá atrás no tempo, continua a fazer sentido nas histórias e estórias que eu quero contar-vos. Ele sabe muitas coisas sobre mim...
O meu percurso. O Sebastião Antunes por conhecer-me tão bem e tão de lá atrás no tempo, continua a fazer sentido nas histórias e estórias que eu quero contar-vos. Ele sabe muitas coisas sobre mim...
7. O Que Se Leva Desta Vida (Paulo de Carvalho) 4:15
O Paulo de Carvalho trouxe o saber. A ideia de que aquilo que sabemos e que queremos continuar a aprender será só e apenas o que “levaremos” connosco. É essa a nossa riqueza. O sentido. O Caminho. No entretanto... vivamos!
8. Nó Na Bai (Mário Rui Teixeira / Fernando Ferreira / Remna Schwarz) 3:09 Com o Mário Rui Teixeira e com o Remna Schwarz quis trazer a não resignação. Não necessariamente a política ou politizada. Mas a social, o direito, o poder decidir. Poder ir, porque não se quer ficar.
9. Nha Mamé (Fernando Ferreira) 2:41
A Homenagem. A minha. Ao meu berço, um berço biológico e geográfico. Uma homenagem ao caminho. Ao processo de crescer, que implica sempre alguma dor nos joelhos, quedas duras mas também... uma vontade de celebrar e festejar... a vida. O nascer de cada dia após a morte... do dia anterior.
10. Pele (Fernando Ferreira) 3:54
O meu elogio à ausência. O elogio a quem esteve. A quem fez parte e faz parte, ainda que possa ter deixado de ser e de estar. A Pele é também o nosso limite enquanto corpos. Estabelece uma fronteira sensorial. Deixa-se trespassar, tocar, arrepiar. Protege, aquece, isola e também reflecte, irradia, seduz. A pele regula porque liberta, repõe, adapta-se. Quando algo deixa de nos tocar, a pele ainda assim, “sabe” que foi tocada, porque permitiu- se guardar o toque e transforma-lo... em memória. É pela pele que também nos sentimos... e somos!
11. Cada Eco Di Nó Terra (Remna Schwarz) 4:14
O Remna Schwarz ajudou-me a fazer um agradecimento à terra. Pedi-lhe um olhar sobre a Guiné-Bissau e algo que pudesse funcionar como uma resposta ao tempo e num tempo, à distância e ao crescimento pessoal. Djarama que em crioulo quer dizer obrigado, surge e torna-se refrão. Obrigado Remna. Djarama Remna e Djarama Guiné Bissau. Por tudo!
12.Mindjeris di Pano Pretu (José Carlos Schwarz) 4:07
Com o José Carlos Schwarz quis trazer o respeito pelo passado e por quem chegou primeiro e fez e partiu... antes de nós chegarmos. Um respeito a quem abriu as portas. A quem atreveu- se. A quem criou...porque amou. Este tema, para mim, representa com toda a certeza o meu respeito ao RESPEITO de quem AMOU!
Com o José Carlos Schwarz quis trazer o respeito pelo passado e por quem chegou primeiro e fez e partiu... antes de nós chegarmos. Um respeito a quem abriu as portas. A quem atreveu- se. A quem criou...porque amou. Este tema, para mim, representa com toda a certeza o meu respeito ao RESPEITO de quem AMOU!
13. I Abô Ki Di Mi (Guto Pires) Versão Rádio 2:48
Músicos
Piano acústico e teclados | Mário Rui Teixeira
Guitarras | Carlos Ribeiro e Manecas Costa
Cavaquinho | Paló
Baixo | Yami e Norton Daiello
Percussões | João Ferreira
Bateria | Ivo Costa
Vozes | Ana Rita Inácio, Tó Cruz e Carlos Ribeiro
Convidado | MC Igreja (Afroeurópica)
Arranjo de vozes | Tó Cruz
Produção e Arranjos | Fernando Ferreira, João Ferreira, Mário Rui Teixeira, Carlos Ribeiro
Gravação | Mário Rui Teixeira (MR Estúdio)
Mistura e Masterização | Rui Fingers e Luciano Barros (Soundzilla Estúdios)
Grafismo e Direção de Arte | Senhor Tocas
Make Up | Isaura Lobo
Fotografia | José Carlos Nascimento
Assistente de Fotografia | Edgar André
Edição | AVM Music Editions
www.fernandoferreira-oficial.com
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