sexta-feira, 4 de novembro de 2022

ADEUS DE INDIGNU NAS PLATAFORMAS DIGITAIS















Fica disponível hoje, em todas as plataformas digitais e formato vinil, o novo disco dos indignu, adeus, uma edição conjunta entre a dunk!records e a norte-americana One Thousand Arms.

Provenientes de uma das nascentes de rock da mais fina estirpe do nosso país, os indignu dão-nos o seu 5º álbum. Surgido na sequência de mudanças na sua formação e de um processo criativo que se alongou por três anos, escolhendo o Arda Recorders no Porto para o fazer, trabalhando com Ruca Lacerda (Mão Morta, Pluto) na gravação e mistura. A masterização esteve a cargo do islandês Birgir Jón Birgisson que já trabalhou com nomes como Bjork, Sigur Rós ou Spiritualized.

Para aqueles que necessitam de etiquetas e fronteiras intelectuais, seria simples referir o post rock e alguns dos seus sumos artíficides. Para maior impacto mediático, seria óbvio referir colaborações com vultos como Ana Deus, Manel Cruz ou o escritor Valter Hugo Mãe. Todavia, ainda que valendo-se de toda esta abrangência e pertinência criativa, a sonoridade dos indignu quebra muitos dos seus paradigmas, ouvindo-se bastante mais ampla, surpreendente e verdadeiramente sinestésica. Há neste disco a reinvenção contemporânea do fado, que nos foi oferecida pelos grandes Dead Combo, a fomentar nessa forma de sentir tão portuguesa, um adeus que contém a promessa de retorno, que fere o âmago e lhe dá esperança pelo reencontro, um adeus que sabe a saudade.

Um post-fado, para usar um palavrão, num disco sem palavras ditas, mas que as deixa intuídas. Uma acima de todas: "adeus". Essa palavra que encerra tantos significados e tem tantas formas de ser dita, é sintetizada num disco magnífico da música moderna portuguesa. Não chega a ser um religioso «a Deus», mas a sua escuta eleva-nos o espírito. Não é um adeus violento, ainda que encerre alguma agressividade visceral e momentos de um peso sufocante ("Devolução Da Essência Do Ser"), mas sente-se, por vezes, dolorosamente definitivo. É assim que "A Noturna", em primeiro lugar, nos acolhe na contemplação de um cisma. Do quão tamanha é a dor não cantada e imensos os mitos não escritos. Porque o ser humano é habitado por dores sem eco, por heróis não aclamados para os quais o único prémio é a sua dor não imortalizada. O herói anónimo permanece abandonado pelos poetas. Eis a interjeição Pessoana: «Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!»

Nesse estoicismo tão próprio da "portugalidade", os indignu refundam-se como entidade e como ensemble. adeus é uma narrativa de despedida e simultaneamente de restauração. Assim que surgem as amplas veredas sintetizadas de "A Noturna", com as suas gigantes baterias a ressoar na textura etérea, sente-se no âmago que a riqueza musical hiperabunda nesta mensagem instrumental. Vamos senti-la no inesperado surgimento dos delays e do vibrato de David Gilmour, nesse tema de proporções épicas que é a "Devolução Da Essência Do Ser"; no romantismo dos pianos de "Em Qualquer Entranha" (o interlúdio do disco) ou no elegante cruzamento das cordas com o combo de instrumentação rocker, em "Urge Decifrar No Céu". E o disco encerra com o maior exemplo da sofisticação dos indignu, um legado do fino recorte orquestral de Rodrigo Leão, na forma como exploram as dinâmicas do silêncio e desconstroem os compassos de "Sempre Que A Partida Vier" e como aí intrometem, uma vez mais, o inesperado exotismo. No final, adeus possui essa rara qualidade dos trabalhos instrumentais que não pretendem evitar as palavras mas fomentá-las, num espaço de introspecção.

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