quarta-feira, 2 de setembro de 2020

O LELO PERDIDO DE MANUEL JOÃO VIEIRA





















O Lelo Perdido é um grupo que foi criado sobretudo para pegar nas letras um tanto esquecidas dos antigos fados humorísticos, e de outros, que, pela candura das suas letras, já perdidas no tempo, acabavam por fazer sorrir. Os fados humorísticos abordados neste disco, Anatomia do Fado, à exepção dos originais e do "Tenho uma casa importante", de Neca Rafael, são todos do reportório do brilhante Joaquim Cordeiro, do qual comprei inúmeros singles na Feira da Ladra, quando estava à procura de material antigo para os espectáculos de Os Irmãos Catita. Do número que fizemos durante cerca de 5 anos no Cinearte faziam já parte temas como Os "Preguiçosos", "Belchior foi ao Japão", "Mulheres há muitas" ou "O soldado da Trincheira". Alguns destes fados tinham-me sido apresentados por outros membros do grupo, como o João Leitão, outros tinha-os ouvido cantados pela voz do meu pai.

Depois do Cinearte, ou em noites de semana, por vezes passava no Johnny Guitar. Quando este fechava ia beber um copo ao Truque, um sítio fabuloso onde o Fado vadio era entremeado com espectáculos de strip, e ainda se comia qualquer coisa. Foi nesse sítio onde, já com alguma carga alcoólica, implorei aos músicos para que me deixassem cantar o terma patriótico e imortal "O soldado da Trincheira". Conheci então, nesse local improvável, nos longínquos anos 90, o Vital Assunção, que amavelmente, me concedeu a licença de cantar uma canção uma vez por outra, para desespero da clientela, vindo mais tarde a ser o viola do Lello Perdido, grupo fadista exclusivamente criado para que eu me pudesse divertir a fazer de conta que cantava fados e que fez aliás bastantes espectáculos, muitos deles com o saudoso João Chitas na guitarra portuguesa.

Nunca foi editado nada deste grupo, fora algumas canções que fazem parte de uma compilação de músicas com bandas não editadas do Maxime editadas pela revista Blitz, e a certa altura, e após uma sugestão nesse sentido depois de uma exposição de pintura com temas fadistas no Museu do Fado, deu-me para pensar em editar um disco com esse material. Escolher as canções foi o mais difícil e confesso que acabei por pôr músicas a mais. Ainda por cima resolvi gravar também alguns fados originais, que seriam para um disco sentimental e que têm umas letras mais melancólicas, o que por sua vez me fez introduzir também dois ou três fados tradicionais sentimentais. A única vantagem neste disco duplo é que dá para ir de carro de Lisboa a Bragança sempre a ouvir o mesmo disco. A desvantagem é a mesma. Não incluí no disco, porém, alguns fados pornográficos dos anos 70 que canto nos espectáculos porque senão daria para ir a Bragança e voltar e porque preferi fazer um disco practicamente sem aquelas palavras que não aparecem na rádio, o que é uma novidade para mim. Tive um ataque de afonia, anginas, tosse e rouquidão durante as gravações, pelo que a voz poderá não estar em estado cristalino, fora a canção da "Freira" e o "Fado Anarquista", gravados ao vivo. Gostava de salientar a paciência e trabalho dos músicos que me acompanharam, o Vital da Assunção na viola, o Arménio de Melo na guitarra, salvo alguns temas muito bem gravados pelo Sandro Costa, e, no baixo acústico, o Múcio Sá. Tive também a grande honra de ter sido assistido nas misturas pelo grande técnico de som José Fortes, no seu fabuloso estúdio móvel, em Vilar.

Manuel João Vieira

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