Quando adotámos o lema “vai ficar tudo bem” no início da pandemia, o optimismo parecia uma boa arma contra uma catástrofe coletiva temporária. O que não sabíamos era que ainda estávamos longe de chegar ao fim daquele arco-íris. O título do novo álbum de Joana Espadinha surge como a frase certa na hora certa. Não sabemos quando é que vai ficar tudo bem, por isso agarremo-nos ao que temos agora: Ninguém Nos Vai Tirar o Sol.
A pandemia surgiu a meio do processo de gravação e, num trabalho que já implicava muitas viagens interiores, o confinamento veio apenas trazer mais uma camada às suas reflexões. O tema-título tem, na verdade, muito mais a ver com a sua experiência como mãe: que mundo é este que recebe os nossos filhos? A inquietação é ainda mais evidente no tema mais assumidamente maternal: “Ninguém vem ao mundo a saber que mundo é que o vai receber”, canta em “A História do Pé de Feijão”, uma emocionante canção que embala sem adormecer, direitinha aos tímpanos da sua prole.
Mas a incerteza de uma mãe traz consigo uma inexplicável confiança: “baixo os braços e o mundo não cai”, canta enquanto flirta com o rock’n’roll no viciante “Dar Resposta”. Melhor do que qualquer life coach: as prioridades reorganizam-se e, perante uma realidade incontrolável, Joana Espadinha toma as rédeas da sua vida.
E, porque a linguagem do amor maternal se confunde muitas vezes com a do amor romântico, conseguimos encontrar neste disco vários bocadinhos de nós na relação com os nossos. Como no arrebatador “Quem Me Dera Saber Que Sou Feliz”: “Quem me dera ser um banco de jardim, para sentir o teu amor pousado em mim”. Quem nunca?
A magia da música de Joana Espadinha, na sua incrível simbiose com o produtor Benjamim, é que todas estas reflexões pessoais se tornam imediatamente universais através da sua pop de inspiração indie, ainda com resquícios do jazz que a formou e das memórias da sua adolescência - fresca, leve, dançável, mas nunca vazia de sentido. Nem um tema mais irónico como o palpitante “Mau Feitio” deixa de ser uma confidência cantada de coração na boca.
Ao terceiro álbum, Joana Espadinha está inteira. Pega nas suas inquietações e verga-as ao poder terapêutico da canção pop. Ninguém Nos Vai Tirar o Sol é um divã de tamanho único: serve-nos realmente a todos.
As gravações do álbum decorreram no final de 2020, no estúdio Namouche, com os magníficos músicos do costume: Margarida Campelo (teclados e voz), João Firmino (guitarras e voz), Francisco Brito (baixo) e Nuno Sarafa (bateria e percussões).
Ninguém Nos Vai Tirar o Sol vai ser apresentado ao vivo dia 8 de Novembro no Teatro Maria Matos, em Lisboa, e na Casa da Música, no Porto, dia 10 de Novembro.
Ana Markl
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