sexta-feira, 31 de março de 2023

SILK NOBRE DIZ À MÃE QUE ESTÁ TUDO BEM





















Silk Nobre usa uma expressão muito curiosa quando fala sobre si e sobre a sua mais funda identidade: “sou da geração que quase nasceu em África”. Esse “quase” é um sinal, um eco da nossa própria história – a do país que ainda tenta encontrar formas de se reconciliar com um passado difícil, complexo, doloroso, mas também carregado de alegrias. E será que existe uma maneira melhor de sarar feridas passadas que ainda doem no presente do que enquanto se dança? Silk acredita que não e, por isso mesmo, pede-nos: “Diz à mãe que está tudo bem”. É esse o título do seu álbum de estreia.

Mas há uma história anterior: homem dos palcos em diferentes instâncias – no teatro é Fernando quando está nos bastidores ou o que a personagem ditar quando pisa a boca de cena -, Fernando “Silk” Nobre tem uma longa linhagem funk: dos Funky Messengers aos Mister Lizard e daí aos Cais do Sodré Funk Connection, agremiação cultural que fez dançar muita gente, da Rua Cor de Rosa às ruas de todas as outras cores por esse país fora e mais além. Silk também era personagem, meio James Brown, meio acrobata, meio homem, meio mito. Mas agora, em “Diz à Mãe Que está Tudo Bem” é outra coisa, mais funda. Ele explica.

“Musicalmente criamos a nossa própria identidade na viagem, no processo, no estudo dos clássicos das principais influências que inspiram os grooves que nos fazem dançar. Afro soul funk que vai de Bee Gees a Bonga, de Fela kuti a Zeca Afonso, e por aí fora. Afasto-me da zona de conforto para poder crescer no encontro com o outro”. Curiosamente, esse “outro” que Silk Nobre menciona é ele mesmo. Já não é personagem, é vida real.

“O disco trata de uma história universal de amor e reconciliação familiar!”, garante-nos. É um trabalho que fala verdades e por isso mesmo é unificador, pacificador sem deixar de apontar o dedo ao que considera estar errado e ser injusto. É íntimo e político ao mesmo tempo. Faz pensar e dançar. E não necessariamente por essa ordem.

Com Ivo Costa e Pity (Rui Pedro Pity), todos da geração que “quase” nasceu em África, como refere (sendo que Fernando, nasceu mesmo em Maputo, em 1971), Silk Nobre criou um disco que tem funk e semba, soul e afrobeat, rhythm n’ blues e zouk e música de intervenção, tudo junto porque não dá para dividir. E sobre esses balanços, o disco, sublinha ainda Silk, “fala de coisas desaparecidas e dos desafios do exercício da democracia”.

Precedido pelo explosivo e afirmativo “I am back (back to Africa”, este álbum está carregado de histórias. Permitiu a Silk encontrar o Armando Tito que tocou com a Cesária Évora quase ou mais de 20 anos; e o Miroca Paris que a acompanhou ao longo dos últimos tempos; e partilhar uma música com Sara Tavares, “com quem cultivamos amizade e cumplicidade que faz deste disco uma pérola muito nossa, mais uma para o nosso colar musical”, confessa. E há muito mais pessoas envolvidas nesta salada de sons como por exemplo Gui Salgueiro que se ocupa das teclas; ou uma secção de metais em que se encontram Jéssica Pina, Ruben Luz e Tomás Marques. Tudo gente boa que permite que a voz de Silk chore e ria, que dance e sonhe, que agite e tranquilize em igual medida.

“Este disco tenta fazer tudo isso”, esclarece Silk, “e recolhe e pesquisa o melhor das nossas vidas para erguer um conceito à medida da minha voz e do que tenho para entregar, enquanto autor, numa linguagem tradicional com um twist eletrónico. Por razões económicas e estéticas. É para viajar pela diáspora numa Tour Lusófona. Palavras novas no nosso léxico. Por isso brincamos com os dialectos, as expressões idiomáticas, as metáforas, e tratamos o criolo de rua como se fosse Shakespeare”. Disco rico, portanto. No que propõe musicalmente e no que oferece poeticamente.

E nesta descodificação de “Diz à mãe que está tudo bem”, Silk conclui: “Eu gosto dos derrotados, porque eu também sou um deles, um dos tais que quase não teve sorte, quase conseguiu, sei lá o quê...” E quem fala assim, só pode cantar ainda melhor. E se a curiosidade crescer? vai poder vê-lo em palco no festival MEO Kalorama.
 

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