Será invulgar – mas não inédito, que até os Beatles assinaram Hello and Goodbye – um artista, de percurso sólido e multifacetado, com provas dadas e caminho para andar, restabelecer contacto com quem o ouve recorrendo a uma… despedida. No caso concreto, com a Balada da Despedida, o primeiro momento escolhido por João Farinha, fadista de Coimbra, para prestar contas das novidades que juntou para apresentar ao longo de 2024. Mas, alto lá!, então a Balada não é um dos clássicos incontornáveis num género, ou numa escola, de canto e mais do que isso, tantas vezes subvalorizada? Claro que sim. No entanto, nunca terá sido ouvido desta forma, impregnado de um ecumenismo estético que subverte, sem disparates e sem “fogo de vista”, que estilhaça fronteiras, que renova, que acrescenta, sem querer, longe disso, meter “tudo no mesmo saco”. Quem não corre riscos, acaba inevitavelmente a repetir e a repetir-se. E esse não é, de todo o caso, de João Farinha. Como se prova, de novo, a partir de agora.
Claro que, ao longo de um percurso de diversas vias – a solo, com o projecto Fado Ao Centro, com outras aventuras –, este cantor, fadista, não foge, antes se orgulha, de uma raiz bem determinada: o tal fado de Coimbra, que merece mais atenção e, até, mais prática e mais praticantes. Mas, nesta primeira “prestação” das contas que escolhe fazer, de forma voluntária e espontânea, mas que não dispensa o estudo, o trabalho e o talento, deixa um desafio profundo para o que aí vem. Chama ao palco Ruze, personalidade do hip-hop e do rap, e integra-o numa mudança que está longe de ser decorativa – é, claramente, estrutural, de fundação. Ou seja, ao que já conhecíamos, de Fernando Machado Soares e Francisco Bandeira de Mateus, juntam-se novas parcelas, corajosas, do próprio Ruze. De resto, fica o aviso: mesmo estando por enquanto a estrear o capítulo inicial deste andamento maduro e aberto de João Farinha, será melhor irmos criando espaço para outras surpresas, entre convidados, criadores, memórias e inéditos. Com a certeza de que estas contas serão revistas e aumentadas no Verão e no Outono, antes de passarem, como merecem e como se impõe, do disco às salas. Lá chegaremos.
Por essa altura se falará de mais “contribuintes” neste valor acrescentado. O título genérico vale como aviso, mais do que como profecia – vai chamar-se A Conta Que Deus Fez. Digam-lhe olá, com esta Despedida. Costuma dizer-se que as contas se fazem no fim. Mas, com esta Balada revisitada, o ganho de quem se lhes chegar, o lucro de quem ouve, começa já.
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